CORRIDA SEM FIM
A última e mais dramática das grande corridas europeias entre capitais foi a Paris-Madri, de 1903. Apesar de ter sido realizada apenas a primeira parte do percurso, o trecho Paris-Bordéus, ocorreram inúmeras tragédias. Os motivos foram vários: se por um lado houve um aumento considerável na força dos automóveis- decorrente da experiência obtida nas primeiras competições do gênero -, por outro lado os motoristas eram relativamente inexperientes no controle desses carros monstruosos, que tinham freios deficientes e precária estabilidade. Ao mesmo tempo, as autoridades não tinham ainda a experiencia para organizar e controlar corridas deste tipo.
Para aumentar os problemas havia falta de disciplina por parte dos espectadores, entusiasmados, mas ignorantes quanto às ameaças destas maquinas perigosas. Mesmo os membros do exército e da polícia - encarregados de guardar as estradas - eram incapazes de disciplinar o público, pois também desconheciam os riscos.
Entre Paris e Bordéus estavam concentrados centenas de milhares de espectadores: dez morreram e inúmeros ficaram feridos. Este foi o terrível resultado e as corridas em estradas públicas não foram mais realizadas até 1927. Neste ano, foi promovida a Mil Milhas Italianas, que também fracassou pela mesma razão: o número de acidentes com o público.
Mas, em 1902, a corrida Paris-Viena tinha dado uma idéia a respeito do aumento na força dos carros. No entanto, a velocidade desenvolvida pelos maiores concorrentes da Paris-Madri ultrapassava todas as expectativas. Organizada pelos Automóvel Clubes Espanhol e Frances esta competição deveria ter sido feita em três etapas: Versalhes e Bordéus, passando por Chartres, Tours, Poitiers e Angoulême; Bordéus a Vitoria, passando por Bayonne; e Vitoria a Madri, via Burgos e Valladolid.
Foram inscritos mais de 300 carros e, mesmo após as inevitáveis desistências, ainda restaram 275 competidores. Ao lado de alguns amadores, muitas equipes profissionais: De Dietrich enviou uma delas com 12 modelos de seus novo carro baixo; Mors inscreveu 14 veículos, um deles dirigido por Fournier; Panhard concorria com 15 e Renault com 4, dois dos quais eram pilotados por Louis e Marcel. Havia ainda equipes das marcas De Dion, Mercedes, Wolseley e Ader, tendo a Fiat enviado apenas um carro.
Escolta de ciclista
Algumas regras representaram novas idéias no automobilismo. Por exemplo: como medida de segurança, foi estabelecido que não seria contado o tempo gasto ao se atravessar uma cidade. O motorista era obrigado a parar no perímetro urbano - quando era registrada a hora de sua chegada - e só podia passar para o centro devidamente escoltado por um grupo de ciclista. Fora da cidade, podia recomeçar a corrida.
Um fato que demonstrou o aparecimento de uma nova mentalidade foi a participação ativa de três mulheres: Madame du Gast dirigiu um novo De Dietrich; Madame Lockert, um Ader, e Mademoiselle Jollinet, uma motocicleta.
O grande interesse do público transformou a corrida em um acontecimento nacional.
Esperando a partida
Em Pièce d'Eau de Suisse, o local de partida, as últimas providências estavam sendo tomadas.
Finalmente foi dado o sinal de largada e Jarrot partiu seguindo-se os demais concorrentes com dois minutos de intervalo entre cada um. Lois Renault foi o sexto e imediatamente decidiu ultrapassar os que estavam na sua frente.
A poeira era o inimigo comum: cegava os motoristas, entupia os motores, cobria os óculos e escondia as curvas. O único meio de evitá-la era se colocar sempre em primeiro lugar. Renault foi ultrapassando todos os seus concorrentes até que, em frente à catedral de Chartres, finalmente passou o carro de Jarrot. Até aqui sua velocidade média tinha sido de 110 k.p.h.
Sem diminuir a marcha, Renault aumentou sua diferença sobre Jarrot de forma surpreendente. Em Politiers, ele estava 20 minutos na frente; 23 em Angoulême., e terminou o primeiro estágio em Bordéus, com 35 minutos de vantagem. Sua velocidade média tinha sido um pouco superior a 95 k.p.h.
Assim, alcançou o 2º lugar na classificação geral; em primeiro ficou Gabriel, com um Mors de 70 H.P., que fez o percurso de maneira ainda mais notável. Ele partiu em 168º lugar e chegou em 4º com uma velocidade de 100 k.p.h. Jarrot foi o terceiro na classificação, sendo que o quarto lugar coube a Warden, pilotando um Mercedes.
Campo de batalha
A corrida foi um campo de batalha, e menos de 100 carros terminaram a primeira etapa. Isto deve não só à fantástica marcha imposta por Louis Renault, mas também pelo fato de que os carros eram muito mais potentes do que os que participaram na corrida Paris-Viena, no ano anterior.
A opinião pública ficaria muito impressionada com as reportagens da imprensa européia que consideravam a prova como um sério massacre de pessoas. Uma antecipação do que estava para acontecer foi dada em Ablis, onde um espectador se inclinou muito para a frente e foi atingido por um carro. Felizmente não chegou a ser morto.
Um pouco mais tarde, 30 km ao sul de Poitiers, Marcel Renault sofreu sério acidente. Ele já tinha ultrapassado Farman e resolveu fazer o mesmo com Théry. Os dois carros corriam lado a lado, em alta velocidade, quando chegaram a uma curva com declive à direita. Théry, que ia um pouco à frente, percebeu o perigo, reduziu a marcha e fez a curva. Renault, cego pela poeira levantada por Théry, viu a curva muito tarde e perdeu o controle do carro. O veículo pulou da estrada para um profundo canal capotando várias vezes.
Théry, que provavelmente ignorava o que tinha acontecido, continuou o seu caminho. Somente quando Farman passou pelo local, alguns minutos mais tarde, é que o acidente foi descoberto. Marcel Renault já estava inconsciente e morreu no da seguinte, no hospital.
Seu irmão Louis soube do acidente quando chegou a Bordéus. Após a confirmação da morte de Marcel, Louis retirou toda a equipe da prova em sinal de luto.
A morte de Marcel trouxe consequências importantes, Louis, cheio de remorsos, chegou mesmo a pensar em terminar com a fábrica em Bilancourt. Mas Fernand, um outro irmão, resolveu fechar a sua própria fábrica de botões e entrou para a companhia Renault de automóveis.
Passagem de nível
Logo após o acidente de Marcel, no qual seu mecânico ficou gravemente ferido, foi a vez de Théry. Quando ele estava ultrapassando Porter, caiu em uma vala: o tanque de gasolina explodiu provocando sérias queimaduras tanto no motorista como no mecânico. Em seguida, o próprio Porter sofreu um desastre: cego pela poeira levantada pelo carro que ia na frente, não viu que uma cancela de passagem de nível estava descendo. O carro bateu no obstáculo e pegou fogo, matando o mecânico. Outro corredor, Tourand, desviando-se para evitar atropelar uma jovem, foi de encontro à multidão. Uma mulher e dois soldados foram mortos; Tourand ficou seriamente ferido e de tal forma chocado com o acidente que nunca mais recuperou sua estabilidade emocional.
Tragédia semelhante assinalou a chegada dos corredores a Angoulême. Uma jovem tentou atravessar a estrada exatamente quando aproximava o carro. O soldado Dupuy, correu para salvá-la, mas foi atingido pelo carro 23. O motorista tentou evitá-los, mas bateu em uma árvore, matando um espectador e um mecânico e ferindo seriamente um outro assistente. O mecânico do carro também morreu.
E a série de desastres não termina aí: o mecânico de Lorraine-Barrow, que dirigia um De Dietrich, foi esmagado contra uma árvore quando um motorista tentava evitar um cachorro. O próprio Lorraine-Barrow ficou muito ferido e morreu duas semanas depois. Da mesma forma que Porter, outro concorrente, Gras, bateu em uma cancela fechada, e seu carro incendiou. Felizmente, tanto Gras quanto seu mecânico foram salvos. Outro acidente sem maior consequências foi o de Rodolphe Darzens, jornalista, que derrapou para fora da pista, embora o carro tenha capotado, ele escapou sem um arranhão.
E a série de desastres não termina aí: o mecânico de Lorraine-Barrow, que dirigia um De Dietrich, foi esmagado contra uma árvore quando um motorista tentava evitar um cachorro. O próprio Lorraine-Barrow ficou muito ferido e morreu duas semanas depois. Da mesma forma que Porter, outro concorrente, Gras, bateu em uma cancela fechada, e seu carro incendiou. Felizmente, tanto Gras quanto seu mecânico foram salvos. Outro acidente sem maior consequências foi o de Rodolphe Darzens, jornalista, que derrapou para fora da pista, embora o carro tenha capotado, ele escapou sem um arranhão.
Stead, em um duelo feroz, bateu em um carro, perdeu o controle e saiu da estrada. O carro parou com as rodas para cima e Stead ficou preso debaixo do veículo. Madame du Gast prestou-lhe os primeiros socorros e continuou logo em seguida, classificando-se em 77º lugar. Entretanto, ela também parou de correr quando soube do acidente de Marcel Renault.
Pouco antes do final da etapa, Richar bateu em uma carroça puxada a cavalo e feriu seriamente três pessoas.
Diante do horror dessas mortes, as autoridades tomaram decisão drásticas. O próprio primeiro-ministro assinou decreto que, além de interromper a corrida, proibia também que os competidores voltassem a Paris com seus próprios carros, Os veículos tiveram de abandonar a cidade de Bordéus imediatamente, puxados por cavalos. Na estação ferroviária de Saint-Jean, eles foram colocados em Vagões e mandados de volta a Paris.
Texto extraído da Revista História do Automóvel - Fiat 1908 - Rolland-Pilain, 1909
Editora Expressão e cultura - Exped - Expansão Editora S.A - Rio de Janeiro
Editora Expressão e cultura - Exped - Expansão Editora S.A - Rio de Janeiro
Interessante!!!
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