terça-feira, 30 de setembro de 2014

MEMORIAS DE UM BURRO

Transcrevi este livro conforme ortografia da época.




BIBLIOTECA INFANTIL
PROF. ARNALDO DE OLIVEIRA BARRETO
MEMORIAS DE UM BURRO
AUTORA: CONDENSA DE SÉGUR
4ª EDIÇÃO
LIVRO X





DEDICATORIA
AO MENINO HENRIQUE, MEU AMO ACTUAL
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Meu querido amosinho!

  Você tem-me tratado bem, mas tem falado com desprezo dos burros em geral. Quero que melhor saiba qual a especie de animal que é realmente o burro, e,  com este fim, escrevi esta historia de minha vida. Ha de vêr, meu amosinho, que nós, os burros, temos sido, e ainda somos,  muitas vezes maltratados pelos homens. Somos, é verdade, ás vezes bem mansos; mas devo confessar que na minha mocidade me portei ás vezes mal. Você há-de vêr como fui castigado, como fui infeliz, como me arrependi, e como meus amigos e amos me perdoaram e me trataram bem novamente. Assim, depois de ler a minha história, Você nunca mais dirá "estupido como um burro", ou "cabeçudo como um burro";  mas dirá "sensato como um burro", "habilidoso com um burro"; ou "manso como um burro".
  Hi-án! Meu querido amosinho, Hi-án!
  Desejo que Você nunca seja o que eu fui, quando moço.
  Sou de Você
Criado humilde
Neddy

segunda-feira, 29 de setembro de 2014

HISTÓRIA MODERNA - DOBB, HILTON, SWEEZY, HOBSBAWN E PIERRE VILLAR

DOBB
Privilegiou uma abordagem das forças internas, concentrou sua abordagem no conceito de servidão, enquanto historiadores tradicionais, mais eruditos, centravam sua abordagem da tradição do feudalismo para o capitalismo no processo de formação da chamada Revolução mercantil ou do capitalismo mercantil. Estavam centrados numa tese que era da evolução comercial e o desenvolvimento comercial das cidades. A cidade então colocada como próprio elemento que faria a passagem do feudalismo para o capitalismo, a cidade como agente externo e com o próprio comercio como agente externo.

HILTON
Nesta introdução faz uma espécie de rememoração dos debates, faz um resumo de tudo que vai ser falado, coloca os conceitos centrais que estão em jogo.
Segundo Hilton o conceito que está presente no texto de todos é o conceito de MARX; que ao escrever sobre o "FEUDALISMO", utilizava o termo de uma maneira que seria, até certo ponto, familiar aos seus contemporâneos ou seja, para descrever toda uma ordem social cuja principal característica era o domínio do resto da sociedade, principalmente dos camponeses, por uma aristocracia militar proprietária de terras.
A essência do modo feudal de produção no sentido marxista é a relação de exploração entre proprietários de terras e camponeses subordinados, na qual o excedente da subsistência dos últimos é transferido por sanção coercitiva para os primeiros, quer sob a forma de trabalho direto ou renda em espécie ou dinheiro. Esta relação é chamada "SERVIDÃO".
MARX não chega a desenvolver um conceito de feudalismo, ele discute um modo de produção, ele não chega a exaurir este tema.
Mas, segundo Hilton, todos os autores têm em mente esta ideia central de MARX, portanto este tipo de relação, a própria relação de dominium.

SWEEZY
É o oposto de Dobb. Ele aposta nas forças externas, ou seja, na transformação, na ruptura do sistema feudal pela ampliação do sistema comercial e isso modificaria aquela sociedade que não estaria apta para sustentar relações comerciais tão ampliadas, pois a sociedade feudal, digamos assim, é um sistema de produção para o consumo interno. É um sistema de produção para consumo interno os feudos tem que buscar a auto-suficiência.
Este sistema entra em crise porque ele não se sustenta no momento em que existe a formação de rotas comerciais tão ampliadas e tão complexas como são as rotas do comércio com o Oriente. Então  a ampliação mercantil acumulado nesta área de comércio, faz a quebra do sistema feudal o qual não tem estrutura para sustentar esse volume de comercialização.

CLASSE PARASITÁRIA
A classe que explora: exploração dos camponeses subordinados pelos proprietários de terras guerreiros. Esta classe parasitária vai se ampliando e não tem onde se localizar. As cruzadas, forma de expansão para a conquista de terras se fazem necessárias para resolver este problema.
Este aumento da classe parasitária, implica também numa transformação dos padrões de consumo.
O senhor feudal tinha um padrão de consumo muito reduzido, mas o aumento da comercialização faz com que eles queiram mudar esses padrões. Passa então haver uma super exploração dos servos, uma super exploração do trabalho para poder retirar o máximo de produtos da terra, os quais eles possam trocar por dinheiro para comprar estas mercadorias.
Começa a mudar o padrão de consumo da nobreza e assim o sistema passa a encontrar dificuldades para se sustentar, também, ao acontecer a "fuga dos servos" (final do século XIII e XIV).
Depois então do século XI até o século XIII, período de grande expanção demográfica, acontecem as crises do século XIV e XV (peste negra) que reduz dramaticamente a população e a partir daí para manter seus padrões de consumo, precisam super explorar a mão-de-obra que restou.
O que ocorre então é que os burgueses, nas cidades, reduzem as restrições para que estes servos que fogem, passam entrar nas guildas. Não era qualquer pessoa que podia ser artesão, então estes servos super explorados tinham oportunidade assim de participar do processo produtivo artesanal.
Este fato também contribuiria para gerar uma crise no sistema feudal, ou seja, a entrada de um fator externo que a estrutura do sistema feudal não teria condições de sustentar, não teria estrutura econômica pra isto, para um aumento tão grande no volume de comercialização, que implodiria o sistema.

HOBSBAWN
Sustenta a tese do desenvolvimento desigual do capitalismo: várias zonas do mundo vão entrando aos poucos dentro do sistema capitalista.
Segundo ele, o capitalismo tem uma vocação globalizante, um sistema que tende a internacionalização. Para isto seu foco inicial é o colapso, a crise interna do feudalismo, mas mais ainda o evento da formação do processo manufatureiro e o desenvolvimento do comércio internacional.
Um dos elementos importante neste autor é a "QUESTÃO DA EXPANSÃO GEOGRÁFICA", conquista de novas terras, a descoberta da América, a expedição para a África, para o mundo oriental, é o "Colonialismo". Para isso então chega à definição de que a consequência final deste processo é o mundo dividido em dois: os explorados e os exploradores; os subdesenvolvidos e os desenvolvidos fruto do próprio processo de colonização.

SWEEZY
A transição do sistema feudal para o capitalismo ocorre entre os séculos XIV e XV, através da internacionalização do comércio.
Todos outros autores posteriores, numa crítica a Dobb, dizem que foi um processo mais longo, lento, não uniforme e que portanto vai depender muito mais do processo das Revoluções burguesas do Século XVIII, passagem para a I Contemporânea: Revolução Americana, a Revolução Francesa e a Revolução Industrial.

HILL E HOBSBAWN
A formação de um estado feudal e de um estado monárquico feudal, ou seja, a centralização dentro do modo de produção feudal e de um estado monárquico feudal, ou seja, a centralização dentro do modo de produção feudal é que vai permitir a sua sustentação e que este Estado é o Estado da nobreza e que mesmo fazendo algumas alianças com a burguesia, ainda não é um Estado burguês como tal.
Os dois colocam que este Estado ainda não é um Estado burguês. Se ele fosse efetivamente um Estado burguês, porque teria acontecido a Revolução Francesa. Se a burguesia tivesse em suas mãos todo aparelho do Estado, porque ela iria constituir este processo?

PIERRE VILLAR
Faz um apanhado geral do processo de transição, centrando no conceito de MARX, de acumulação primitiva.
Não considera que este já seja o modo de produção capitalista.
Vai dizer que: a entrada de um sistema de trocas numa sociedade, onde o valor de uso é predominante, é um "ruído" que vai atravessando o sistema e criando impasses e que por repetições sistemáticas, vai se reproduzindo e gerando o processo de acumulação primitiva, que ele vê essencialmente tanto nos fatores internos, mas fundamentalmente no processo de exploração das colônias, da entrada desses capitais. Esta a vocação internacionalizante do capitalismo.



domingo, 28 de setembro de 2014

LÁPIS GIGANTE E ANTIGO COM PROPAGANDA DA DUNLOP


É impressionante o tamanho deste lápis!!! Possui  0,21cm de comprimento e 0,1 cm de largura, propaganda da Dunlop era distribuídos aos clientes da Vulcanizadora Dunlop - João B. Quadrado & Cia ltda, que tinha sua sede na Rua voluntários da Pátria, 1785 - Porto Alegre.








Segundo o site da Dunlop:  Há mais de 120 anos, a Dunlop gira o mundo com pneus de alta qualidade, agora fabricados no Brasil.


A História da Dunlop
é a História do Pneu.

A Dunlop foi inventada junto com o pneu. Ao notar que seu filho tinha um desconforto em mover as rodas de madeira maciça de seu triciclo, o veterinário escocês John Boyd Dunlop (1840 – 1921) deu um passo que revolucionou o transporte no mundo inteiro: ele criou o “pneumático”.
A invenção deu tão certo que se transformou na mais antiga fábrica de pneus de que se tem notícia, a Dunlop. Uma marca que nasceu em 1888 e que você conhece e confia até hoje.

DESENTERRAMENTO E ESCAVAÇÃO EM ARQUEOLOGIA

INTRODUÇÃO

Desenterramento é o ato ou efeito de desenterrar.
Desenterrar é tirar debaixo da terra.
No desenterramento arqueológico não existe metodologia.
Escavação é o ato ou efeito de escavar. Trabalho de desenterramento ou desentulho para nivelar, terraplenar ou abrir cortes em um terreno.
A escavação arqueológica é feita com metodologia.
1. Métodos de escavação

A escavação pode ser feita através de várias metodologias cada uma se faz de uma forma de escavar conforme segue:
a. Desenterramento que visa evidenciar estrutura fixas e a recuperação de artefatos, sem se preocupar com sua situação espacial no sítio arqueológico.
No desenterramento há a preocupação com a sobreposição dos níveis e com a datação relativa.
Temos cronologia relativa quando possuímos um sequencia, a maior possível dos objetos e do desenvolvimento de sua tipologia na área de uma zona cultural e geográfica. A datação relativa é tarefa própria da arqueologia pré-histórica e deve preceder sempre a obtenção de uma cronologia absoluta.
b, Escavação estratigráfica que é voltada para uma reconstrução de micro-história do sítio arqueológico escavado.
Escavação Estratigráfica
  • Quadrante (Van Gifen -1910)
  • Estratigrafia vertical (Weeler - 1930)
  • Decapagem (Lerói - Gourha- 1950)
2. Trincheiras - T1, T2 e T4 localização do sítio

Quadrantes - O sítio é dividido em partes escavadas, o que permite a obtenção de perfis ou seções do solo através da estratificação do sítio. As seções são feitas a partir dos muros e testemunhos não escavados entre as partes escavadas.
Técnicos: Diretor de escavação e trabalhadores braçais.

Quadrículas: Na escavação por quadrículas, ao contrário o número de operários por arqueólogo é bem menor, reservando-se em geral uma quadrícula para cada arqueólogo. O operário assume o papel de auxiliar braçal do arqueólogo.
Técnicos: Diretor de escavação, pesquisadores subordinados, operários especializados (exclusão dos voluntários).

Decapagem; Tirar tudo do solo. É o tipo de escavação em grande superfície da anotação (tridimensional) detalhada dos vestígios encontrados nos estrados.
Técnicos: Diretor de escavação, muitos arqueólogos, poucos escavadores (estudantes-voluntários) e operários.

3. Objetivos de cada metodologia.
Os objetivos
a. do desenterramento - O arqueólogo do desenterramento apresenta-se com uma prática de campo direta e indiretamente ligada à satisfação das necessidades econômicas e ideológicas de determinados grupos sociais. Em termos econômicos, o emprego de mão-de-obra assalarida nos desenterramentos e objetos artísticos justificam a classificação desta arqueologia como uma parte da engrenagem burocrática. Há aumento do turismo, devido a liberação rápida para o público dos monumentos desenterrados,
b. da escavação superposição de ocupação - São os solos de ocupação e cronologia relativa de artefatos.
c. da escavação por estratificação vertical - São estratos, fatos arqueológicos e História (sequencia de fatos)
d. unidade sociológica: São estratos verticais e horizontais, ação humanas e cotidianidade (sistema sociocultural).

BIBLIOGRAFIA
FUNARI, Desenterramento e escavação em Arqueologia.
ORSER JR, Charles. Introdução à Arqueologia histórica. Belo Horizonte. Oficina de livros, 1992.

CANDELABRO

Lindo este candelabro quase antigo!








A enciclopédia livre- Wikipédia explica a diferença de castiçal/candeeiro e candelabro:

"Castiçalcandeeiro com um só foco luminoso, como vela ou lâmpada, foi um elemento determinante na decoração das casas. Desde sua criação ( sem data especifica), constituiu-se em uma peça indispensável para clarear a mesa, a toalete e toda a atividade noturna das moradias. compõe-se de três partes: base, haste e aparador ou arandela. com base nesses elementos, os ourives fizeram deste objeto, do século XVII ao século XIX, um perfeito espelho dos estilos sucessivos da época: do barroco ao rocaille' e deste estilo movimentado ao rigor do neoclássico, seguindo ora influência francesa, ora inglesa. As bases variam de redondas a quadradas - é a decoração acompanha o estilo da época em que o objeto é confeccionado. Existem centenas de modelos e chama-se castiçal apenas quando é com encaixe para 1 vela; para 2 ou mais, é chamado de candelabro. Muito conhecido é o candelabro para 7 velas judaico, chamado de Menorah."

quinta-feira, 25 de setembro de 2014

SACI-PERERÊ

Autor Lourenço Filho - 3ª edição.


Edições Melhoramento






- Dedé foi brincar na casa do vizinho
Naquele dia, ali estavam todos os priminhos.
Eram quatro lindas meninas e um menino.
- Eu sou a Tininha, disse a mais crescida.
- Eu sou a Maria Amélia, disse a segunda.
- E eu, a Naná, disse a menorzinha.
- E aquele menino? perguntou Dedé, apontando para o Evaristinho.
- Aquele? pois você não sabe? Aquele, disse a Tininha, é o nosso Saci-Pererê!
Evaristinho não se zangou com a brincadeira.
Pelo contrário, até achou muita graça.
E começou a saltar num pé só, como dizem que faz o Saci.
E, com uma cara muito engraçada, começou a pedir, como dizem que faz o Saci:
- Me dá o fogo! me dá o fogo! me dá o fogo!...
Todos riam, muito alegres, fingindo que estavam com medo do Evaristinho.
Todos não. A Dedé não estava entendendo nada.
- Saci-Pererê? que história é essa perguntou ela.
- Pois é mesmo uma história que os antigos contavam, explicou a Tininha.
- Uma história?...
- Sim. Diziam que nas matas morava um menino de uma perna só. Mesmo assim ele saltava muito depressa. E diziam que tinha sempre na cabeça um barretinho vermelho...
- Que coisa engraçada!... e o que fazia o Saci?

- Dizem que assobiava e corria atrás das pessoas, para lhes pedir fogo.
- Pedir fogo?... mas pedir fogo para quê?...
- Ah! isso agora é que eu não sei, disse a Tininha. Olhe quem sabe estas história inteirinha é a Tia Sabina.
- Tia Sabina? quem é agora essa Tia Sabina?
Tia Sabina era a velha criada da casa.
Saíram todos à procura dela.
- Tia Sabina, como é mesmo a história do Saci-Pererê? Perguntou a Maria Amélia.
- Hum! hum! não brinca não, minha filha. Agorinha mesmo bateu meio-dia. Saci também aparece no meio do dia. É só a gente falar muito nele...Cruz! Credo!...
Todos riram daquele receio da pobre Tia Sabina, já tão velhinha, tão velhinha.
- Saci não existe, Tia Sabina! disse a Maria Amélia.
-  Hum! hum! quem  sabe não existe mais neste tempo...Agora está tudo tão mudado! Não é mesmo?
E a boa Tia Sabina suspirou, decerto lembrando-se de seus tempos de menina.
- Mas antigamente existia, sim. Como é que não existia?... Até meu pai, uma vez encontrou  o Saci na estrada.Hum! hum! Cruz! Credo!
- Como foi? Como foi?... pediram todos.
-  Hum! hum!... Eu conto logo de tardinha, porque agora é meio-dia, e não presta falar nestas coisas, disse a Tia Sabina.
As meninas olharam umas para as outras, um pouco assustadas.
- Pois é! Nem no meio do dia, nem de noite. Não presta!...
A Dedé olhou para o Evaristinho, e viu que ele fazia a cara mais engraçada deste mundo.


Depois da merenda, Dedé lembrou o caso do Saci.
Tia Sabina estava escolhendo feijão, e sem parar o seu trabalho, foi então contando?
- Pois é! Naquele tempo, nhô pai trabalhava na fazenda.
Era de noite, e  nhô  pai vinha na estrada.
-  Hum! hum!...muito escuro, muito escuro!...
De repente, nhô pai ouviu um assobio fininho, fininho, que até doía nos ouvidos da gente...

- Seria deste jeito? disse o Evaristinho assobiando muito fininho.
- Decerto era assim mesmo. Fininho que até doía nos ouvidos...Então nhô pai espiou para trás. E viu um molecote, assinzinho, que pulava numa perna só.
Depois ele chegou perto do nhô pai. Mostrou um cachimbinho apagado e pediu fogo... Hum! hum!... pediu fogo, três vezes, assim:
- Me dá o fogo! me dá o fogo! me dá o fogo!...

E que fez seu pai?... perguntou a Dedé.
-  Hum! hum!...ele tirou o isqueiro da algibeira e deu para o Saci acender.
Mas não era isqueiro desses que se usam agora, não.
Era isqueiro de bater com um ferrinho numa pedra que dá faísca. Saía faísca e pegava numa isca de pano. Então se punha foguinho no cachimbo, e o cachimbo acendia.

- E o Saci acendeu o cachimbo?
-  Hum! hum!..isso nhô pai não contava, não. Porque quando ele viu que o molequinho tinha um barrete vermelho na cabeça...  Hum! hum!...
- Que é que ele fez, Tia Sabina?...
- Ele saiu correndo que nem um vento pela estrada! E quando chegou nem podia falar. Cruz! Credo!
Não sei se era cansado de correr, ou se era mesmo do medo que deu lá nele...Hum! hum!
- Mas estava tudo muito escuro, Tia Sabina? perguntou a Dedé.
- Sim, estava mesmo...
- Mas, Tia Sabina, se estava tão escuro, como é que seu pai viu que o barrete era vermelho e que o cachimbinho estava apagado?...
-  Hum! hum!..isso agora  é que também não sei, não...
As crianças olharam umas para as outras e seguraram a boca para não rir.
A verdade é que nenhuma delas podia acreditar no Saci-Pererê.
E todas faziam muito bem.
O Saci é uma simples história para divertir, nada mais...
Na casa do vizinho, o Saci que existe é o Evaristinho.
Mas esse não anda pelas matas, de noite, assustando ninguém.
Esse dorme cedo e é bem comportado...







O FILHO DO XEQUE





Do livro Biblioteca Infantil nº 52 - 6ª edição - Edições melhoramento
Autor Renato Sêneca Fleury






Nos arredores de Bagdá, a lendária cidade turca, vivia um menino por nome Abdalá, filho do xeque El-Modi.
Órfão desde pequenino, nem ao menos tinha uma irmã que pudesse carinhosamente conduzi-lo pelo caminho do bem. Assim, Abdalá era terrível e perigoso.
O pai, sempre ocupado com os mil negócios da tribo que chefiava, não tinha tempo para educar o pequeno. Deliberou então confiá-lo aos cuidados de um tio, homem respeitável por todos os motivos: velho, prático, bondoso e crente.
Este, porém, vivia atormentado com as diabruras do sobrinho e, afinal, desanimou de bem criá-lo. Abandonou-o à sorte, pois sobre ele não conseguira um pingo de força moral. Abdalá desrespeitando-o, zombava dele, aborrecendo-o constantemente, por sua más ações.
Esbordoar os cães, impiedosamente, era com ele. Apedrejar as aves, eis uma de suas prediletas distrações. Odiava os animais, odiava as crianças, odiava os homens... Pudera! Já crescido, jamais uma palavra de amor e de bondade lhe soara aos ouvidos. Vivendo entre caravanistas, escravos e salteadores, seu coração parece que se endurecia ao contato daquela gente rude, de alma fria.
As queixas contra o menino!...Eram sem conta, desde que nascia o sol.
O mercador vinha participar que Abdalá lhe surripiava um objeto de valor. O proprietário do pomar vizinho aparecia desalentado, para informar que o filho do xeque lhe furtava os melhores figos. O soldado, ameaçador, contava que Abdalá lhe enchera de areia o cachimbo. As velhas, cheias de rancor, vinham queixar-se dos ditos que o menino lhe dirigia. Os próprios sacerdotes eram alvo das diabruras do perverso, que não os poupava sequer nos momentos em que fervorosamente oravam...
Era demais! Aquilo não tinha fim...
O tio, sem ver meios com que sofrear o mau procedimento do rapaz, largou-o de uma vez.
Como castigá-lo? Como punir o sobrinho?
Tais e tantas fazia o peralta e desalmado, que todos o evitavam, pois a ninguém era dado corrigi-lo. Ai daquele que lhe tocasse com a ponta de um dedo...Incorreria, fatalmente, nas iras de El-Modi, que amava extremosamente o filho.
Quando o tio lhe ia dar conta do mau procedimento do pequeno, ria-se ele gostosamente, achando graça em tudo.
Abdalá crescia e seus maus costumes também.
Já ninguém podia vê-lo. Ao ouvirem seus passos, fugiam apavorados, homens, mulheres e crianças, como a escapar da peste ou de um perigo ainda maior. Até os cães o evitavam, raspando-se assustados em desabaladas correrias. Certa vez, apedrejou um velho respeitável, que se dirigia para o oásis de Rihan. O ancião, com um gesto de benevolência, como que abençoou o perverso.
Entretanto, nem sempre o menino tinha intuito malévolos. Quantas vezes, ao passear entre as tendas dos mercadores, não lhe passava pela mente sequer a idéia maldosa? Ao contrário, já muito o preocupava o isolamento em que vivia e, em seu íntimo, a voz da consciência como que o advertia; e ele notava certas mudanças de sentimentos; e principalmente desejava que o recebessem, que o acariciassem, que lhe dessem o perdão, como fizera aquele ancião de nobres feições. No entanto, não podia revelar a ninguém os seus estados de alma, porque lhe não dariam ouvidos. Era odiado, mil vezes mais do que odiava. Viravam-lhe o rosto, outros retiravam-se com precipitação, as mulheres, aflitas, agarravam os filhinhos, as velhas empalideciam de horror, somente em vê-lo.
Certa vez, quando mais o angustiavam o desprezo de todos, ouviu que diziam:


- Fujam! Fujam! Lá vem Abdalá, o "maldito"!


Aquelas palavras caíram-lhe dentro d'alma como brasas. "Maldito"!


O rapaz sentiu uma dor penetrante, tão funda no coração, que chorou.


Na verdade, era ele a maldição...

***
Veio vindo, veio vindo, olhos baixo, a alma abatida, Lacrimoso, abafando no peito os soluços, meditava, quase sucumbido:
- Lá no oásis de Rihan, ouvi contar que habita Ebn-Giafar, o velho solitário, o piedoso ancião, profeta que sabe perdoar. Como ir até ele? Grande e perigoso é o deserto! Areia, pó, e o fogo do sol...Sede, fome horrores e a morte! Entretanto, só Ebn-Giafar me dará o consolo do perdão.
Tomou a resolução de partir para Rihan.
E seguiu em busca do areal sem fim.
Ia só pensando em Alá, uma botija de água e o bordão de peregrino.
Alcançou o deserto, sentiu nos pés a escaldante areia, respirou o ar ressequido e morno, experimento na pele o sol que queimava.
Mas não parava. Caminhava resoluto, sempre à frente, embora sentindo que o cansaço lhe prendia as pernas. Não desanimava. Sentia que era necessária aquela penitência, para alcançar o perdão.
Após longas horas de caminhada, começou a ouvir tristes uivos vindos de muito longe. Parou, apurando os ouvidos e seguiu no rumo de onde vinham, até que encontrou um pobre são sedento, que mordia em desespero as areias quentes.
Abdalá chegou-se ao animal e deu-lhe toda a água que ainda lhe restava. O cão satisfeito, não o deixou, seguindo o benfeitor.
- Será meu companheiro, pensou o rapaz.
E prosseguiu mais animado.
Algum tempo depois, o cão, arrepiando os pelos, ergueu as orelhas, ladrou novamente, e pôs-se a pular como doido, pretendendo salta sobre o inimigo. Viu então Abdalá o perigo de que se livrara, advertido pelo animal: uma grande serpente, de escamas azuladas, achavam-se enrodilhada pouco adiante, pronta para saltar. Um pobre pássaro debatia-se pouco além, como que fascinado pela cobra.
- Por Maomé! exclamou o rapaz. E, criando coragem, avançou contra o mostro. Deu-lhe com o bordão que levava, até a serpente morrer.
O pássaro, ainda estonteado, deixou-se pegar por Abdalá, que o agasalhou contra o peito.
O oásis devia estar bem longe...
Mas o menino jamais esmorecia, Apertou o passo. Era preciso chegar.
Andou, andou muito. As horas pareciam longas, como longo era o deserto.
Afinal, Rihan emergiu, a distância, mostrando os seus leques de palmeiras.
O coração de Abdalá pulsou. Só então pensou em que Ebn-Giafar talvez o condenasse...
Mas continuou a marcha agora vagarosamente, desejoso de retardar o momento que tanto havia desejado antes.
Ao chegar, viu imediatamente, à entrada de uma caverna, um ancião de nobres feição, que para ele estendia os braços agasalhadores. Era o velho a quem apedrejara e que agora repetia o mesmo gesto de benevolência.
Abdalá atirou-se aos seus pés, sem proferir uma palavra, Mas as lágrimas que vertiam seus olhos, diziam da grande mágoa que o torturava.
Então, Ebn-Giafar passou as mão pelos seus cabelos empoeirados e lhes disse:
- Erguei-vos, Abdalá! Alá vos ama e vos perdoa. Em paz com os céus, em paz com vossa consciência, podereis voltar. Alá vos bendiz, porque redimistes vossas culpas com as boas ações que praticaste durante a peregrinação pelo deserto. Alá provou o vosso bom coração.
Ide! Que a jornada vos seja feliz.
Abdalá sentia-se outro. Respirava agora, o coração como que lhe crescera dentro do peito.
Uma caravana que passou pelo oásis conduziu o rapaz de volta a Bagdá.
Abdalá regressou à tribo, disposto a fazer o bem. A bondade havia brotado em seu coração.
Anos depois, morto El-Modi, o moço teve a chefia da tribo. Ebn-Giafar ainda vivia no oásis de Rihan, e o novo xeque distinguiu-o com muitas honras.
E dizendo que ainda hoje lamentam as tribos que nunca mais tenham havido um "chefe" como Abdalá, chamado o perfeito.
***
Eis a história com que as velhas, nas distantes passagens do Oriente, procuram emendar os netinhos travessos. É da tradição de Bagdá, e o exemplo do filho do xeque vai se perpetuando pelas gerações. Quando nasce um menino, o primeiro nome que ocorre é o de Abdalá: todos querem que tenham as virtudes de quem foi o mais bondoso e o mais justo chefe de que há notícia.

quarta-feira, 24 de setembro de 2014

A CABRITINHA TEIMOSA

Do livro  Biblioteca Infantil nº 52 - 6ª edição - Edições melhoramento
Autor Renato Sêneca Fleury







Antigamente havia um velho criador que não era feliz com a criação de cabras. Já dez ou doze haviam sido devoradas pelos lobos. Era só soltá-las um bocado, para gozarem uns momentos de liberdade pelas montanhas, e elas não voltavam, Quando ia o velho procurá-las, as poças de sangue e os restos de ossos mostravam que as feras as tinha devorado...
- Oh! Os lobos!... exclamava o velho, penalizado, e ao mesmo tempo cheio de ódio contra esses animais terríveis que enchiam a mata vizinha.
Mas não desanimava. Novas cabras vinham para o cercado; novos trabalhos com o trato e a vigilância... Mas bastava soltá-las meia hora que fosse, mesmo ali por perto, e...adeus!
Lá no alto da montanha, onde a floresta começava, os lobos rondavam, esfaimados.
Atrevidos, chegavam a descer até perto dos currais, chegando a invadir aos quintais. Não havia criação que pudesse escapar aos seus dentes afiados.
O velho julgava-se o mais infeliz dos criadores. Pudera! cuidava com tal carinho de suas bichinhas, que tinham elas pêlo macio e brilhante, a carne tenra e nutrida.
Parece que os lobos estavam cevados!
Um dia o criador trouxe da feita uma cabrita que era mesmo uma lindeza. Alva como a neve, esperta como um sagüi, chifres longos, curvados e pontiagudos - e o que mais era - um lindo par de pingentes como dois brincos, que lhe davam ares de princesinha. Era tão galante, que o nome se impunha:
- É a nossa Princesa, disse o criador à sua mulher, orgulhoso do animalzinho. Parece-me que, com esta, irá  tudo bem!
Levou-a para o cercado, atou-lhe ao pescoço uma longa corda para que ela pudesse passear à vontade, pôs-lhe ao lado uma vasilha de barro com água limpa e fresca.
- Que mais? Isto aqui há de parecer-lhe um paraíso. A relva está verdinha e tenra, o cedro dá boa sombra para a Princesa reminar às horas de calor. Mas...espera...
Correu à casa,  trouxe um cincerro, pendurou-o ao pescoço da bichinha.
Era um regalo, para o velhote e a mulher, ficarem, à tarde, sentados à porta da cabana, espiando as artes da Princesa, muito viva, muito branca, muito linda, a tilintar o cincerro: dilim-dim-dilim-dim...
Os velhos adoravam a cabrinha. Não tinham filhos e ela já quase merecia honras de legítima herdeira do bondoso casal.
Mas um dia...
- Esta corda, tão áspera, raspa-me o pescoço! Que feia prisão este cercado! Estas relvas já me enfastiam.. E a Princesa ergueu a cabeça o mais alto que pode, para espiar a montanha. Era tudo tão belo lá fora! Grandes pedras para saltar, campos para correr, árvores de boa sombra...
Seus balidos, aquela tarde, foram longos e tristonhos. Que pena estar assim presa, se o mundo devia ser tão grade como não imaginava, as montanhas tão cheias de encantos, os campos de tão boa erva!
Os velhos estranharam os lamentos prolongados da Princesa e lhes pareceu que a cabrita entristecera.
Já não a viam saltar, nem erguer-se com graça nas patas traseira, como quem quer brigar.
Notaram, observando-a diariamente, que emagrecia a olhos vistos.
O velho afagava a bichinha com as mãos e até conversava com ela:
- Que te falta, Princesa? Tens boa relva, milho do melhor, água pura...Bem te compreendo! dizia o velho balançando a cabeça, em desânimo. Minha Princesa vai ter o mesmo fim: comida das feras...
O caso era que, presa no cercado, ela poderia morrer. Tudo fizera para ver se a cabrinha voltava à esperteza e alegria. Tudo foi inútil. Era preciso soltá-la.
- Estes bichinhos querem liberdade, largueza! Bem o sei, mas... os lobos?!
E o velhote ia assim tenteando.
Nesse tempo, a cabrita dizia lá consigo: "Minha velha mãe sempre me contava horríveis histórias de lobos, passadas nas montanhas e florestas, São bichos perigosos, é verdade! Mas a mim nada sucederá... As outras cabras, que foram devoradas, eram com certeza medrosa e não sabiam defender-se. Mas eu tenho coragem e um bom par de chifres pontudos e resistentes. Para correr, saltar e chifrar com firmeza, só eu! O lobo não há de pegar-me, que esperança! Aquela história do lobo e o cordeiro, tão repetida pelo mundo, parece-me velha e fora de moda...O caso é que não farei como o ingenuo cordeirinho, que foi beber no riacho e meteu-se em conversas com  mestre lobo. Ah! Isso é que não! Primeiro, não irei beber a nenhum riacho; segundo, não entendo a linguagem dos lobos...Se algum me surpreender com perguntas e ameaças, para que servem estas pernas ágeis? Se, contudo, não houver tempo de fugir, este chifres não valem nada? Valem, hão de valer, e o lobo sairá perdendo, na certa!
Ingenua e teimosa cabrinha!
Uma bela manhã a Princesa sentiu o laço mais frouxo. Forçou com o pescoço, o nó desatou e ela viu-se livre da corda.
Mas... a cerca?!
Ora, a cerca!
Duas chifradas, uma cabeçada e pronto!
Dito e feito. Correu para a cerca, meteu os chifres entre duas varas, afastou-as, torceu a cabeça, forçou mais e - zás! - estava do outro lado.
Arre! Até que enfim...
Não esperou mais nada. Correu  pela encosta, subiu ao alto da colina, saltou sobre umas pedras, galgou, correu ainda e, sempre subindo, chegou ao mais alto da montanha.
- Que bela vista! exclamou. Que ar delicioso aqui se respira! Quanta largueza, como é grande este mundo! Nunca pensei que fosse tão grande!
Divisou, lá embaixo, a cabana de seu dono, quase a sumir nos longes. E mal pode avistar o pequeno cercado, onde vivera.
- Agora sim! Posso dizer que o mundo é meu...
Encantada com a liberdade que gozava sobre a vastidão das montanhas, pôs-se a correr e saltar de um e outro lado. Trepava nas pedras, equilibrava-se prodigiosamente nos rochedos, transpunha com saltos arrojados os valos profundos, pulava ao alto dos montes, queria por-se cada vez mais acima. Resvalando pelas mimosas florinhas, balouçavam -se em curvaturas como lhes rendendo homenagens e aplaudindo a destreza. Um pássaro cantou e pareceu que a saudava. Cada vez mais cheia de si, a cabrita não se contentava com pular e correr. Rojava-se na relva, que era um tapete de veludo.
- Adeus, feio cercado! Nunca mais voltarei! Adeus, meu senhor, não fui feita para estar presa...
Resolveu conhecer a floresta. Subiu mais e achou-se junto à entrada da mata.
Espiou...espiou...A floresta pareceu-lhe triste e perigosa. Entretanto, fatigada, deitou-se um pouco a ruminar e, ruminando...adormeceu.
Ao despertar, o sol estava se escondendo. O bosque estava mais escuro. Espreguiçou-se um pouco e resolveu voltar.
O silencio era impressionante e a tarde caía, cheia de sambras esquisitas.
E veio vindo, e veio vindo, por um trilho que descia.
Nisto, ouviu um uivo longo e horrível.
Princesa estremeceu e parou assustada:
- Será mestre lobo? E esta?
Outro uivo, agora mais perto. E outro, bem próximo... E uma grande loba surgiu entre as sombras do caminho.
A cabrita deu um salto e atirou-se a correr. Mas pouco além, no descampado, o bicho tornou-lhe a frente. Ela estancou, disposta a não se entregar.
O lobo, calmamente, sentou-se sobre as patas traseiras. E Princesa bem viu que ele lambia o focinho, como se preparasse a boca para comê-la.
- Mestre lobo corre mais, pensou, desconsolada. Minhas pernas falharam...Mas meus chifres, esses darão que fazer ao malvado!
O lobo avançou uns passos, sem pressa, certo de que levaria nos dentes a bichinha. Seus olhos brilhavam.
A cabrita preparou-se para a luta. Quando o lobo avançou mais uns passos, ela se ergueu nas patas traseira, empinou o corpo e...pá! Mas sentiu as garras do bicho lhe roçaram o pescoço. Tornou a empinar-se e pá! outra marrada. As unhas da fera lhe riscaram o focinho. Ergue-se de novo, outra marrada, e outra, e outra...Pá!Pá!Pá!
O lobo divertia-se um pouquinho...
A cabrita já estava cansada e o sangue brotava do seu focinho, do pescoço, do dorso!
- Que unhas valentes! Mas meus chifres podem mais!
O lobo avançava, a cabrita recuava, empinava-se ...e pá!
Sentiu Princesa que as forças lhe faltavam.  Queria, porém, vender caro a vida. Lutaria até morrer!
Tentou ainda um último esforço de defesa, mas a fera caiu sobre ela, num bote final.
Estava perdida! E estava castigada a sua teimosia.
Neste momento, ouviu-se um tiro. O lobo, dando um tremendo urro, rolou pela encosta.
É que o velho criador saíra em procura de sua Princesa fujona e chegou a tempo de salvá-la.
***
Tempos depois, no pequeno cercado, Princesa amamentava dois bonitos cabritinhos. Eram seus filhos. Não trazia laço, mas não fugia. E a bela Princesa segredava aos filhinhos - Não fujam para a montanha! Mestre lobo é cruel!

Do livro  Biblioteca Infantil nº 52 - 6ª edição - Edições melhoramento

Autor Renato Sêneca Fleury 


PEQUENO POLEGAR

O PEQUENO POLEGAR Nº 52 - Autor Renato Sêneca Fleury



Foi há muitos e muitos anos, num país distante. Um casal de velhos lenhadores morava numa palhoça perto de uma escura floresta.
Buscando sustento no penoso trabalho da mata, ganhavam tão pouco, que havia dias de jejum, pois nem uma côdea de pão restava para repartir em migalhas pelos sete afilhados órfãos, que tinham sob sua guarda. O pior é que estes eram ainda muito novos. O mais idoso contava apenas doze anos. Nenhum deles podia auxiliar os padrinhos, a não ser carregando pequenos feixes de lenha ou ocupando-se do asseio da casa, enquanto os velhos se dirigiam à floresta, para a sua tarefa de todos os dias.
O pobre casal vivia muito triste com aquelas privações, e mais ainda se afligia pelas sete crianças.
Que fazer?
O velho, cansado e doente, não via como remediar a difícil condição. Desesperava-se com o sofrimento da mulher e dos pequenos, sem esperança de melhores dias.
Os meses frios chegavam, e a miséria seria neles ainda maior.
Desanimado, uma idéia lhe vinha à cabeça, e era horrível...Então o velho se agitava, corria as trêmulas mãos pelos cabelos brancos, levantava-se, andava às tontas. E lágrimas de dor corriam-lhe pelas faces enrugadas, um soluço escapava-lhe do peito, sentia tão pequenino e dorido o coração...
Mas...era o remédio!
Uma tarde, chamou a mulher para um canto da cozinha, onde o fogão ardia assando as últimas batatas e, com voz sumida, contou-lhe o plano:
- Levaremos as crianças à floresta, como se fossemos lenhar e, quando estivermos próximo da casa do guarda-caça, lá as deixaremos, sem que elas percebam. Não saberão voltar e, com certeza, o guarda lhes dará pousada, tomando conta dos pobrezinhos...
Espantada, a mulher protestou contra esta idéia, que lhe pareceu horrível.
- Abandonar os afilhados na floresta, os meus queridos meninos, tão pequenos e inocente? Não! Não podia ser...
- Então prefere que morram à fome? Não vê que serão recolhidos pelo guarda ou algum caçador? Há sempre, pelo mundo, corações generosos!
- Mas...os lobos? Interrompeu a pobre mulher, numa pergunta aflita.
- Ora, os lobos! respondeu o velho. Antes que chegue a noite e os lobos apareçam, já os pequenos terão encontrado abrigo!
E tanto falou, tanto falou e explicou, que a mulher, enfim, se convenceu.
Os dois velhos pensavam que ninguém os ouvia. Mas o mais novo dos afilhados, um pequerrucho esperto como um serelepe, e tão pequeno que era chamado Polegar, já desconfiado com os ares tristes dos velhos, compreendeu que havia novidade. Tinha se escondido atrás de uma canastra de couro, e tudo ouviu, tintim por tintim.
Mal pareou a conversa, e os lenhadores, muito triste, choraram, e já o pequeno corria a avisar os irmão da sorte que os esperava.
Ficaram muito assustados, com lágrimas nos olhos, mas Polegar serenou-os:
- Deixem estar, que tudo se arranjará. Não ficaremos ao abandono!
Na manhã seguinte os lenhadores despertaram os meninos, bem cedinho, para irem à mata, lenhar...
O pequeno Polegar abeirou-se do riacho, que passava junto  à cabana, e encheu as algibeiras de pedrinhas brancas, antes de partir,
Logo depois seguiam todos. Ele, que se deixara ficar atrás, ia jogando as pedrinhas para bem marcar o caminho por onde passavam.
Chegados ao mais sombrio da floresta, os meninos receberam ordem de apanhar gravetos e amarrá-los com cipó. Como se de nada soubessem, puseram-se a trabalhar, enquanto os padrinhos, dizendo que iam lenhar mais adiante, foram se afastando cautelosamente e voltaram à cabana.
Quando Polegar verificou que haviam sido desprezados, fez cada um dos irmãos tomar de um feixe; e todos puderam facilmente voltar, acompanhando as pedrinhas brancas que o esperto menino havia espalhado pelo caminho.
Muito se admiraram os velhos com isso, mas nada lhes disseram. Parecia até estavam arrependidos, alegrando-se em recebe-los são e salvos.
Mas a miséria não os deixava. Cada dia, novas aflições apareciam, pois as dificuldades cresciam.
Era mesmo preciso abandonarem aquelas sete crianças, deixando-as na floresta, entregues à sua sorte, apenas com a esperança de que alguém as encontrasse e as tomasse a seu cuidado.
Assim, combinou o casal levar de novo os rapazes, por outro caminho e largá-los em ponto mais distante, onde se perdessem.
Desta vez Polegar não teve tempo de catar pedrinhas. Como lhe restasse um pedaço de pão, for deixando migalhas por onde passava.
Outra vez abandonados na floresta, os meninos procuravam voltar, mas já não lhes foi possível dar com o caminha: as migalhas de pão tinham sido devoradas pelos passarinhos...
Começaram a chorar, cheios de medo. Só o Polegar não se abateu. Ao contrário, dando coragem e animando os irmãos, pôs-se   a guiá-los no meio da mata, na esperança de encontrar salvação. Quanto mais procuravam os trilhos, mais entravam na mata e se perdiam.
Já a noite chegava, e ouviam-se os primeiros uivos dos lobos esfaimados, que deixavam as suas tocas para procurar comida.
Resolveram os meninos abrigar-se no alto de uma árvore.
Polegar foi o último a subir. Mas, como era pequenino, pode chegar até o galho mais alto, de onde talvez pudesse avistar alguma luz que os orientasse. Mas não via nada tudo era escuridão.
  ***

Os uivos dos lobos eram agora mais repetidos e prolongados. E, os meninos, cheios de medo, julgavam ver por entre as ramagens, lá embaixo, os olhos ameaçadores das feras...
Polegar tranquilizava-os dizendo: "São os vaga-lumes, que passeiam..."
De repente, ao longe, brilhou uma luzinha avermelhada.
Era, sem dúvida, o rancho de um lenhador.
- Talvez a nossa casinha, suspirou Polegar, com alívio.
Calcularam os pequenos que, para lá chegar, teriam de vencer um quilometro.
- Aviem-se! Vamos! Com certeza encontraremos agasalho por esta noite, que está fria, e nos livraremos dos malvados lobos, que andam a farejar por aqui!
A custo desceram todos e, bem unidinhos, guiados pelo pequeno Polegar, calados e sustendo a respiração, foram caminhado cautelosamente por entre as grandes árvores no rumo da luz distante.
Que caminhada difícil! Cansados, esfaimados, tiritantes de frio, machucando os pés nas pedras e espinhos, se não fosse a energia do Polegar, ter-se-iam ficado ali, entregues ao perigo que os rodeava.
Quando um uivo mais prolongado se ouvia, Polegar acalmava os irmãos, dizendo:
- Não tenham medo! É o vento que esta assobiando...
Assim foram seguindo, sempre devagar, uns agarrados aos outros, o Polegar à frente, disposto a vencer qualquer obstáculo.
O estalar da floresta, sacudida pelo vento, misturava-se ao grito das feras.
Ao fim de quase uma hora de tão penosa marcha, chegaram à cabana cuja luz tinham visto antes.
Estava toda fechada, mas, pelas frinchas da porta, enxergaram uma velhinha que preparava comida.
Subia de um enorme caldeirão a fumegar um cheiro apetitoso de caldo, um cheiro bom de sopa de carne e legumes.
Foi Polegar quem, corajosamente, bateu à porta; pan...pan...pan...
- Quem é? Perguntou a velhinha, admirada.
- Somos os seus netinhos! respondeu Polegar. Viemos pedir-lhe proteção...
- Ora essa! Não tenho netos! Mas, pela voz, percebo que são crianças, e de crianças nada posso temer. Esperem um pouquinho, vou por a manta de lã, que a noite esta gelada e não quero resfriar-me.
Daí a minutos a porta se abriu e a velhinha recolheu as sete crianças, muito se admirando com as minúsculas proporções do Polegar, que lhe pareceu mais um bonequinho encantado do que gente de carne e osso...
- Venham, venham, meus netinhos, disse-lhes ela com ternura. Terei muito prazer em protegê-los, mas quero, primeiro saber como e por que vieram a este lugar tão perigoso.
O Pequeno Polegar contou, do melhor modo, o que lhe acontecera e a seus irmãos, comovendo até às lágrimas a velhinha.
Mas esta avisou-os em voz baixa, como se receasse alguém:
- Não por mim, que não faço mal - mas pelo dono desta casa, vieram bater a má porta!
E explicou-lhes que era apenas a criada de um gigante muito mau, cruel como um lobo e o maior comedor de crianças de que havia notícias.
- Vejam onde vieram ter!
Desta vez Polegar sentiu que as pernas tremiam. Seus irmãos empalideceram de medo.
Mas, voltando a ter coragem, Polegar perguntou:
- E o gigante está aqui?
- Felizmente saiu, mas não tardará a chegar...
- E como havemos de fazer?
- Vamos ver o que é possível, mas primeiro acheguem-se ao fogo e tomem um caldo.
Foi buscar pratos e colheres. Serviu a todos.
Aquecidas e alimentadas, as pobres crianças sentiram-se mais calmas.
Entretanto, a velha continuou:
É preciso escondê-los do gigante, porque, se ele os perceber aqui, estão perdidos! E fiquem muito quietinhos até o raiar da madrugada. Então, eu lhes darei fuga pela porta do quintal. Tratem de afastar-se o mais depressa possível!
Ficaram ao pé do fogo, em silêncio, para que não se distraíssem à aproximação do gigante.
- Quando ele vem chegando, dizia em segredo a velha, o chão todo treme, os galhos das árvores estalam, os bichos do mato correm com medo...
Não tardou muito e o chão entrou a tremer.
Ouvindo-se um barulho ao longe, que foi aumentando depois.
- É ele que aí vem, com suas botas de sete léguas, exclamou a velha, tremendo.
As pobres crianças chegaram para junto dela, pedindo que as protegesse.
Mais que depressa a velha conduziu-as a um quarto escuro, onde as escondeu debaixo de uma larga cama.
E ali ficaram os orfãozinhos, de olhos vivos e ouvidos atentos, com o coração aos pulos.
- Como poderá um gigante acolher-se a uma casinha como esta? perguntava a si mesmo o Polegar.
Ele não sabia que o gigante era encantado e possuía alguns poderes extraordinários.
Curioso, valendo-se de seu tamanho, Polegar saiu dos esconderijo e foi oculta-se no vão de uma porta, para ver o mostro.
Nesse momento ele chegava. Era um homem horrendo, barbudo, de cabelos grossos como cordas. Mas a sua altura diminuía a olhos vistos à medida que ia entrando meio abaixado. E ficou depois do tamanho de um homem comum.
Sentou-se junto ao fogo, descalçou as enormes botas, farejou ruidosamente de todos os lados e pediu o jantar.
A velhinha trouxe o caldeirão, uma grande colher, e o gigante pôs-e a devorar a sopa. Depois pediu carne. Veio um cabrito inteiro, que desapareceu em poucos instantes. Pediu vinho e esvaziou alguns garrafões. Exigiu mais vinho e bebeu a fartar.
- E o leitão assado?
Veio um leitão, que sumiu inteiro no goela do mostro.
Insaciável, continuava a farejar, as narinas dilatadas, os olhos esgazeados, a dentuça em arreganhos, qual um tigre.
De repente, vozeirou, trovejante:
- Aqui me cheira  carne humana! Carne de criança! Onde está este petisco? Tenho fome! Vamos ver a carne humana!
- Deve ser a novilha que reservei para o almoça de amanhã, disse a velhinha.
- Não me enganas, ó velha mentirosa!
E ergueu-se, dando grandes passadas, a farejar por todos os cantos. E assim caminhou para a porta do quarto...
Polegar, assustado, correu para debaixo da cama. Mas a grande mão do gigante o pegou.
- Será um camundongo? perguntou.
Descobertos, os pobres meninos estavam, com certeza, irremediavelmente perdidos.
Mas a velhinha interveio:
- É uma surpresa que eu queria fazer para o senhor! Reservei-os para a ceia de amanhã. Encontrei-os perdidos na floresta, enganei-os, trouxe-os e aí estão para o meu senhor!
- Pois bem! concordou o gigante; quero-os mal assados, com molho de pimenta...Amarra-os para que não escapem! Mas...espera...deixa ver!
Apalpou os meninos, um por um, fez uma careta e gritou:
- É melhor esperar uns dias: estão muito magrinhos! Engorda-os bem, dá-lhes do bom e do melhor.
E se foi deitar-se. Daí a pouco, rncava como um leão.
A velha, que também se recolhera, tratou de salvar as crianças, logo ao perceber que o gigante dormia a sono solto.
Correu ao aposento dos filhos do mostro - exatamente sete filhos - que estavam há muito dormindo numa larga cama. Eram feios e desajeitados como o pai.
A velhinha transportou-os a todos, com muito cuidado para o quarto onde estavam recolhidos Polegar e seus irmãos, deitando-os na cama que estes ocupavam.  Com os mesmos cuidados, pois receava despertar o gigante, conduziu os órfãos para o leito dos filhos do monstro, recomendando-lhes o maior silêncio. Com essa providencia procurava salvar os pequenos abandonados, pois era bem possível que, na calada da noite, o desalmado quisesse devorá-los. Bem conhecia o seu apetite!
Rara a madrugada em que o gigante não se levantava para saciar a fome. E comia o que encontrasse.
O gigante roncou pelo espaço de algumas horas, abarrotado. Lá pelas tantas, digerida a farta ceia, o mostro despertou, de novo esfomeado. Veio-lhe à mente o bom petisco: as sete crianças, a saborosa carne tenra dos pequeninos...
Comprimiu o ventre e sentiu o estômago vazio. A fome o torturava.
- Estão magrinhos, é bem verdade, mas, com este apetite, nem os ossos hão de escapar!
Pegou um facão e foi afiá-lo numa pedra no quintal.
Fiape...fiape...fiape...
Aquele barulhinho era de arrepiar os nervos...
Mas o nosso Polegar estava tranquilo e até risonho, embora os irmãos a ele se agarrassem, cheio de susto.
Afinal, o barulho parou. As passadas  do gigante soaram de novo: pan...pan...pan...
Os pequerruchos esconderam-se. O gigante rumou para o comodo onde tinham eles estado até pouco antes, certo de que ali os encontraria.
Abeirou-se na cama, no escuro, foi tateando, ergueu sete vezes o pesado cutelo para decepara sete cabeças - degolando os próprios filhos!
E pôs-se a sorver, com sofreguidão, o sangue que jorrava...
Nesse tempo, a velha, que tinha dormido, encaminhara-se para o quarto dos órfãos, ordenando-lhes que saíssem de mansinho. Assim fizeram e todos, juntos com a boa mulher, abandonaram aquela morada, porque a vingança do mostro seria tremenda.
Vinha raiando o dia. Guiados por sua protetora, puderam os meninos, por caminhos certos, afastar-se  rapidamente, distanciando bastante. Mas os meninos não estavam livres do perigo. O gigante, assim que desse pelo engano, haveria de persegui-los calçando as botas de sete léguas.
Foi o que realmente sucedeu. Quando a manhã surgiu e a cabana clareou, o mostro reconheceu os corpos dos filhos.
Tomado de louco furor, calçou as botas e pôs-se a correr pela mata.
Vendo-se perseguidos, a velha e as crianças conseguiram ocultar-se ao fundo de uma caverna.
Eis que chega o gigante, bufando de cansaço, abatido pelo que lhe sucedera.  Deixou-se cair ali mesmo, extenuado, para adormecer profundamente.
Então a velha e Polegar, ajudados pelos meninos, apoderaram-se do facão e lhe cortaram a cabeça.
Tinham salvado o país de seu maior perigo.
O grande tesouro que o mostro acumulara ficou em poder de Polegar, seus irmãos e a velhinha.
Combinara, então, distribuir parte pelos pobres, restituir a seus donos  o que lhe fora roubado e fazer muita caridade. Os sete meninos voltaram com seus padrinhos, que estavam arrependidos e choravam sua falta. Puderam, assim, viver felizes, abençoados por todos.






Leituras na Roça - Autor: Renato Sêneca Fleury

Deus (1ªs Leituras na Roça - Autor: Renato Sêneca Fleury - 1949).





Nas estrelinhas que brilham
Bem no alto, lá no céu;
Na via-láctea, tão clara
como  luminoso véu;

Na curva do mar, tão lindo,
Ou na luz que a terra inunda;
Na gigantesca montanha
Ou na caverna profunda;

Nas flores, que nos alegram
Com seus perfumes gentis;
Na concha, no inseto ou fruto,
No arrulho das juritis;

No céu, na terra e no mar,
Onde haja encantos e amor
Só existe uma grandeza:
A de Deus, Nosso Senhor.
(R. Fleury)


A autora   Cyntia Grizzo Messenberg num  estudo sobre "Na roça: cartilha rural para alfabetização rápida" (1935), de Renato Sêneca Fleury, diz que:
"Com o objetivo de contribuir para a compreensão de um importante momento da história da alfabetização no Brasil, enfoca-se, neste artigo, a proposta para o ensino da leitura e escrita apresentada em Na roça: cartilha rural de alfabetização rápida, escrita pelo professor paulista Renato Sêneca Fleury (1895-1980) e publicada pela Companhia Melhoramentos de São Paulo, com 1a. edição, presumivelmente, em 1935 e a última, a 133ª, em 1958. Mediante abordagem histórica centrada em pesquisa documental e bibliográfica, desenvolvida por meio dos procedimentos de localização, recuperação, reunião, seleção e ordenação de fontes documentais e de leitura da bibliografia especializada sobre o tema, analisou-se a configuração textual da cartilha mencionada, que consistiu em enfocar todos os aspectos constitutivos de seu sentido. Por meio dessa análise, foi possível constatar a importância da atuação profissional e da produção didática do professor Renato Sêneca Fleury e sua relação com as necessidades educacionais e políticas do momento histórico em que a cartilha foi publicada."

terça-feira, 23 de setembro de 2014

REVISTA EM QUADRINHOS DR. MACARRA - 1962






Conforme o site memorias viva:
Conforme o site memórias viva:
"A revista Dr. Macarra, apesar de sua breve existência (somente nove edições), é uma das mais marcantes na história das Histórias em Quadrinhos no Brasil. Era editada e totalmente desenhada por Carlos Estevão, conhecido por seus trabalhos na revista O Cruzeiro.O número 1 de Dr. Macarra é datado de 1º de abril de 1962. Nele são apresentadas três histórias completas de alguns personagens criados por Estevão: Dr. Macarra, Sharleck Halmes e Pimpo Aragão. O primeiro aparece logo na abertura com a história Um playboy na FEB (ela pode ser lida, na íntegra, no site de Carlos Estevão) e mostra, em seis páginas, as versões heróicas contadas por Dr. Macarra para seus vexames e picaretagens durante o tempo que serviu ao exército. Em O pavoroso crime da viúva Chreston, os personagens Sharleck Halmes e seu assistente Watson dão volta e mais voltas para desvendar um mistério. Uma curiosidade: nas histórias desse personagem, o autor assinava como Sir Charles Stevens. A terceira história é a de Pimpo Aragão, o demagogo de Quirikomba.A revista apresenta ainda outras séries criadas por Estevão – Ser MulherAs aparências enganamPerguntas Inocentes e O casamento - Antes e depois –; duas historietas intituladas A força do destino e Jael, a Martyrisada; e uma página com cinco cartuns intitulados Diga trinta e três!.Foi editada pela Empresa Gráfica O Cruzeiro, em formato 17x25cm, miolo em uma única cor e capas coloridas."







CARLOS ESTÊVÃO APRESENTA
SER MULHER
...não é repinicar as coroas do pinho e cantar as suas magoas de buate em soberbas imitações da Maysa.
SER MULHER ...
É saber manifestar lealdade ao senhor seu marido, mesmo que isto provoque um rompimento total com as suas amigas.
É saber cumprir fielmente as ordens de seu amo e esposo, por mais complexa e absurdas que estas lhe pareçam.
É saber usar a sua inteligencia, para melhor zelar pelos dinheiros  duramente ganhos pelos senhor seu marido.
É saber compreender as necessidades mundanas do seu esposo e senhor, zelando pelo seu conforto em casa e na rua.





O ESTADO NOVO: ESTRUTURA DE PODER - RELAÇÕES DE CLASSE





Os vários autores que se dedicaram ao estudo do Estado Novo no Brasil, coincidem na ênfase ao caráter centralizado e monolítico do Estado brasileiro durante este período de sua histórica política, configurando-se as condições favoráveis a um alto grau de autonomia em suas relações com a sociedade.
A idéia central quanto ao significado deste conjunto de medidas como componente primordial de um esquema de poder caracterizado por um Estado forte, centralizado e apartidário, suficientemente distante das forças sociais em confronto para resgatar sua autonomia e mesmo neutralidade de ação.
A importância da reestruturação do aparelho estatal como fator de preservação de uma ampla margem de manobras e do poder de manipulação e conciliação do governo central.
Este esforço de centralização político-administrativa, pelo qual se mantém a autonomia do Estado, manifesta-se através da montagem de um complexo quadro jurídico-institucional que estabelece novos padrões de governo e cria os mecanismos necessários para dar viabilidade à interferência do Estado nos diversos setores da realidade social.

1. CENTRALIZAÇÃO DO PODER E PREDOMÍNIO DA ORDEM PÚBLICA

Em sua proclamação ao povo brasileiro, imediatamente após o golpe de Estado de 1937, o Presidente Getúlio Vargas referir-se-ia à necessidade de um governo forte, dotado de um alto grau de liberdade de ação, com forma de deter os efeitos dispersivos dos "particularismos de ordem local" e as "influências desagregadoras internas e externas" que ameaçavam a soberania nacional.
O corporativismo, uma nova forma de organização política em que, paralelamente à descentralização administrativa-funcional, através de expansão e aperfeiçoamento da burocracia estatal, mantém-se a unidade do poder central. O fortalecimento do poder do Estado agiria como poderoso instrumento de subordinação dos interesses restritos, regionais e locais, ao interesse maior da coletividade, representado pelo governo central.
Essa identificação do Estado autônomo com uma forma superior de Estado que liberta o governo central da interferência do poder privado, de classes, grupos ou facções, é portanto, típica de uma visão ideológica particular do Estado autoritário. 

2. CENTRALIZAÇÃO DO PODER E REESTRUTURAÇÃO DAS RELAÇÕES DE CLASSES

Um outro aspecto relacionado com o significado da centralização e fortalecimento do governo federal, no período do Estado Novo, das relações entre o aparelho estatal e as forças sociais que se afirmavam no quadro as transformações que a sociedade brasileira neste momento atravessava.
O Estado Novo representaria historicamente uma etapa no processo de incorporação à vida política das novas camadas sociais que acompanhavam o desenvolvimento e diferenciação da economia brasileira, determinando a inviabilidade do sistema tradicional de dominação que refletia o predomínio da oligarquia agroexportadora no conjunto da sociedade,

A BURGUESIA CAFEEIRA

Na república velha, a organização do Estado, através do federalismo, representava um instrumento de expressão dos interesses dos grupos dominantes ligados ao complexo agroexportador, sob a hegemonia da burguesia cafeeira. A rigidez da estrutura de poder que se consolida ao longo desse período, calcada na supremacia dos setores tradicionais, é apontada por vários autores como um dos traços característicos da Primeira República. Segundo Edgard Carone, a consolidação do regime republicano significou uma ampliação do domínio dos "coronéis" que, desde o Império, comandavam a política brasileira. Os interesses agrários predominam, não só no plano federal, como também no âmbito da política estadual. Quanto o Legislativo, aos níveis federal e estadual, observa o autor, acha-se controlado pelos porta-vozes dos interesses agrários.

Nesta mesma linha, Boris Fausto ressalta a influência crescente do núcleo agrário exportador que assume as rédeas do governo após os primeiros anos da República. Nestas condições, o sistema político, cuja ruptura se esboça a partir de 1930, se caracterizaria por uma extrema rigidez às "menores aberturas que permitissem ampliar as bases da representatividade".

A mudança gradual político e a diferenciação do aparelho estatal, no bojo de um processo de crescente centralização do poder, respondem a um conjunto de pressões desencadeada pelas transformações econômico-sociais que então se produziam.
O momento histórico que antecede à implantação do Estado Novo é marcado por uma crise política, a um tempo crise de hegemonia e crise ideológica, cujas origens estão na raiz da revolução de trinta, evoluindo ao longo dos dias da primeira fase do governo Vargas. Entre os principais indicadores da crise de hegemonia que se abre nos anos 30, os analistas do período apontam o acirramento das cisões regionais, rompendo a unidade da oligarquia agroexportadora em torno do sistema politico existente, além do agravamento das tensões entre representantes e representados dentro desta estrutura de poder marcada pelo predomínio do setor cafeeiro.
O acirramento da divisão regional significou, do ponto de vista político, uma pressão contra a hegemonia da burguesia cafeeira. É também neste momento que se intensificam os atritos entre o setor hegemônico da coalizão dominante e sua representação política, introduzindo mais um fator de enfraquecimento do regime politico.
Podemos verificar que existe um certo consenso quanto à caracterização das condições sob as quais emerge o Estado  Novo, em termos dos desdobramentos de uma situação de crise de hegemonia em que os diferentes setores da classe dominante são incapazes de controlar a máquina política, criando-se, assim, condições favorável à formação de um Estado forte,.
Esta conjuntura política particular introduz um teor de instabilidade política que age como novo fator de pressão no sentido de uma mudança de regime político: o fortalecimento do Executivo aparece como condição de preservação da ordem e, portanto, de sobrevivências dos grupos dominantes.
A influência política dos setores tradicionalmente dominantes, quer pela impossibilidade de que readquirissem o controle do sistema decisório, quer  pelo aprofundamento do processo de desestruturação do recurso de poder  que ainda manipulavam.
A centralização e o fortalecimento do Executivo durante o Estado Novo como o clímax do processo político marado por uma crise de poder, em que a incapacidade de qualquer dos grupos em confronto impor-se-a aos demais seria o traço dominante. Uma das formas de dar viabilidade a essa acomodação entre os setores dominantes dentro da estrutura de poder pode consistir no estabelecimento de um complexo jogo de influências, que sejam definidas distintas áreas às quais se garante acesso privilegiado aos grupos diretamente interessados, assegurando-se simultaneamente o fechamento do processo decisório em suas instâncias superiores.
O controle do poder central sobre o processo decisório deve ser entendido num sentido relativo, na medida em que a consolidação das tendências coercitivas e centralizadoras que, a partir da mudança de regime político, passa a ser a tônica do reaparelhamento estatal, implicaria na exclusão da influência, através dos quais a interferência dos diferentes grupos se faria sentir a partir de então.
Admitindo o papel ativo do Estado, é preciso simultaneamente tentar captar a identidade dos processos sociais, pelo menos em sua capacidade de gerar pressões que podem evoluir numa direção não contida nos parâmetros originalmente definidos pelo sistema político.
Ao Estado autoritário, que se  consolida entre 1937/1945, percebia como máquina centralizadora, monolítica, independente e equidistante das forças sociais em confronto, gostaríamos de contrapor uma visão  que enfatiza a heterogeneidade e complexidade do aparelho estatal, o  que nos leva a concebê-lo como um conjunto diferenciado e não monolítico de estruturas de decisão.
Qualificando a autonomia do Estado, poderíamos dizer que os vínculos com grupos externos, enquanto parte integrante da dinâmica da burocracia estatal, constituem para nós elementos centrais da análise da política brasileira no período considerado.
O Estado Novo não significaria uma ruptura em relação à experiência liberal da fase precedente, na medida em que a centralização político-administrativa, bem como os alicerces do corporativismo imposto às estruturas de articulação e representação de interesse já estavam contidos no regime híbrido implantado após a vitória da Revolução de trinta.
Não obstante, as mudanças postas em prática teriam uma direção, que seria representada pelo descenso político do grupo agroexportador a ascenção gradual e simultânea dos interesses urbano-industriais, que, a partir de então alcançariam maior visibilidade, consolidando e ampliando o espaço econômico já ocupado e conquistando um espaço político próprio.

4. O SIGNIFICADO DA REVOLUÇÃO DE 1940: CONSERVAÇÃO OU MUDANÇA? DIRETRIZES DO PRIMEIRO GOVERNO VARGAS


As diretrizes econômicas do primeiro governo Vargas teriam um caráter anti-modernizante, envolvendo objetivos nitidamente ortodoxos, tais como a austeridade financeira, a rigidez orçamentária, o controle dos créditos e a contenção do volume dos meios de pagamento, política que teria, entre seus efeitos básicos, dificultando a recuperação econômica do país e frear a industrialização.
O que é importante ressaltar, segundo o ponto de vista aqui adotado, é o peso excessivo atribuído pela maior parte das abordagens acima esboçadas às variáveis externas e à consequente minimização do papel que atores internos, incluindo aí a burguesia industrial
A interferência de uma elite ortodoxa, defasa em relação às mudanças em curso, teria determinado a incapacidade de o sistema reagir favoravelmente aos estímulos externos, freando artificialmente o desenvolvimento do setor moderno da economia.
A avaliação do processo revolucionário em termos de uma orientação e prática conservadora não nos parece pertinente. Com esta qualificação, aceitamos a caracterização do movimento de 1930 como um processo de "modernização conservadora".

OS ANOS TRINTA

Desta forma, podemos considerar os anos trinta como importante etapa na definição dos rumos do capitalismo industrial no país, observando-se, no plano econômico, o deslocamento do eixo da economia do pólo agroexportador para o pólo urbano-industrial e, no plano político, o esvaziamento da influência e do poder dos interesses ligados à preservação da preponderância do setor externo no conjunto da economia. O Estado Novo é um momento neste processo, representando a reafirmação das tendências autoritárias presentes desde o início, não só no ideário político, como também na atuação concreta de expressivos setores da liderança revolucionária.
As indústrias básicas, metalúrgica, mecânica, material elétrico e material de transporte, praticamento dobraram sua participação no total do valor adicionado na indústria, Foi também bastante significativo o crescimento das indústrias química e farmacêutica. Por outro lado, as indústrias tradicionais, apesar de ainda constituírem, em 1939, 60% do valor adicionado da indústria, tiveram a participação diminuída em relação a 1919, quando representava 72%.
A importância de distinção consiste em que um período de simples crescimento industrial, apesar da rápida expansão de algumas indústrias, não acarreta modificações estruturais profundas na economia, enquanto a industrialização, ao contrário, implica em modificações deste tipo, tornando-se a industria o setor líder do crescimento da economia.
Segundo o autor Eli Diniz, os anos trinta representariam efetivamente um corte, manifestando-se em vários níveis a ruptura com a ordem precedente. Em primeiro lugar, por um processo de reestruturação política voltada para a reafirmação do poder do Estado e para a nacionalização da política tendo em vista o esvaziamento do regionalismo e a desarticulação dos instrumentos do poder oligárquico.
O período se caracterizaria pela reestruturação das relações de classes e redefinição das alianças políticas. O novo pacto de poder, bem como a redefinição de suas bases sociais, inspirariam um novo estilo de política econômica caracterizado pelo aperfeiçoamento dos instrumentos e mecanismos de intervenção do Estado na economia, aspecto básico da transição para o capitalismo industrial.

5. OS ANOS TRINTA: DIFERENCIAÇÃO DE INTERESSES -  REDEFINIÇÃO DAS ALIANÇAS POLITICAS

O comportamento das elites tradicionais e emergentes durante a Primeira República fornece evidências para os dois tipos de argumentação.

Efetivamente, abrir espaço para o desempenho de sua atividade produtiva não exigiria transformações radicais. Assim, é sabido que um dos principais mecanismos utilizado para proteger os interesses da produção para o mercado externo foi  a desvalorização cambial que  favorecia também os grupos industriais.

6. BIBLIOGRAFIA


DINIZ, Eli - O Estado Novo: Estrutura de poder - relações de classe.