segunda-feira, 20 de outubro de 2014

AS RELIGIÕES DO JAPÃO



INTRODUÇÃO

Na verdade, não existe um religião predominante  no Japão: coexistem diversos sistemas religiosos e semi-religiosos. Alguns anos atrás os cultos Xintoístas, Budistas e Cristão alegaram ter, cada um deles, um número de adeptos, que somados, ultrapassava o número da população do país, mostrando com isso a pluralidade da afiliação religiosa dos japoneses que não vêem contradições em prestar culto, ao mesmo tempo, as divindades budistas e xintoístas. Tradicionalmente, os japoneses seguem as crenças e práticas de sua família. Os grandes números de lares que existem no Japão, possuem um oratório xintoísta e o altar familiar budista. Porém, os mais fervorosos costumam visitar seus oratórios tutelares xintoístas duas vezes por mês, outros o fazem apenas em ocasiões festivas especiais.
Atualmente, o Xintoísmo já não possui tanta hegemonia ente os povos japonês, porque a realidade se transmuta.

1. A HISTÓRIA DO XINTOÍSMO



A história do Xintoísmo está claramente dividida  em duas etapas: antes e depois da chegada do Budismo chinês ao Japão (a partir da metade do Século VI a.C). Em suas origens, a religião tradicional do Japão se quer tinha nome. A palavra "xinto", que significa "caminho dos deuses" só aparece no vocabulário japonês, após a chegada do Budismo, em oposição ao termo "Butsudo", que significa "caminho de Buda".
O Xintoísmo antigo é o resultado da mistura das crenças de vários pólos que chegaram ao japão e ficaram encantados com a natureza exuberante, levando-os a um visão do mundo e os novos habitantes a uma religião marcada pelo amor à natureza, na qual os deuses "Kami" se escondem e se manifestam. Após dois séculos da chegada do Budismo, o Xintoísmo não era mais o mesmo.
A doutrina de Buda influencia de tal forma que não dava mais para se distinguir da outra.
Os "Kami" se transformava em reencarnação do próprio Buda. Várias tentativas foram feitas para resgatar a pureza do Xintoísmo, mas a principal se deu parte do imperador Meiji, em 1868. Ele recuperou sobretudo a crença que o imperador (ele) é descendente de Amaterasa, a deusa do sol. Reforçando-se, assim, a doutrina como um Xintoísmo de Estado, passando a prosseguir os budistas e exaltação ao imperador, considerando imortal a fonte de vida eterna para seus súditos.
O Xintoísmo não conhece deuses e nem adora um Deus só, no sentido monoteísta. A deusa solar Amaterasa ocupa o primeiro lugar entre os  "Kami". O monte Fuji é o seu grande santuário natural. É a ela que o povo dirige suas preces matinais. Dela nasceu o progenitor da raça japonesa e o primeiro imperador do Japão, do qual todos os outros imperadores recebem dignidade divina.
Os ritos estão presentes em todo momento da vida das pessoas, pois o objetivo é introduzir os fiéis na harmonia da criação. As atividades religiosas se realizam ao redor do santuário obedecendo o ciclo da agricultura e os principais momentos da vida humana (nascimento e casamento). No Xintoísmo, não há doutrina que fale da vida após a morte, porém existe o culto dos antepassados, sobre influência da cultura chinesa. Elemento central é o "MITAMAVA" (casa augusta das almas) onde estão escritos o nome do morto, sua idade e o ano da morte, realizando-se oferendas as almas e aos "Kami". Juntamente o "MATSURI" que são as oferendas penduradas em árvores sagradas. A pureza moral e corporal é lei, portanto pessoas doentes ou de leitos não podem visitar os santuários.
Como não existem fundadores, não há livros sagrados, nem teologia ou código moral. Existe uma filosofia voltada para os grande problemas da humanidade. Existem sim, as tradições registradas nos escritos 712 (antes das coisas antigas) e 720 (crônicas do Japão). A integração e harmonia da natureza através da pureza ritual fazem parte da tomada de consciência da própria natureza divina. Harmonia com todos os seres, honradez como estilo de vida são traços característicos do bem xintoísta.

XINTOISMO

1.1 Quando o Japão era muito jovem.

Se olharmos para uma mapa da Ásia, veremos um estranho cisne nadando para um cardume de peixinhos com alguns peixes maiores entre eles.
O corpo do cisne é constituído principalmente pela China. O seu grande bico vermelho é a Coréia.
Os peixes pequenos e grandes são as ilhas do Japão, conhecido pela terra do Sol Nascente.
Há mais de 4000 ilhas no reino japonês, das quais 500 são habitadas. Nestas ilhas não há grandes rios nem vastas planícies, mas há muitas montanhas e muitos vales profundos.
Aí, entre a montanha e os vales do Japão, sempre temendo os frequentes tremores de terra, vive uma raça de pessoas muito parecidas com os chineses, que pintam e tocam instrumentos semelhantes aos dos chineses, fazem estátuas e ornamentos de laca muito parecidos com os dos seus vizinhos mais próximos e creem em religiões muito parecidas com aquelas em que os chineses acreditam.
A razão por que a escrita, música e religião dos japoneses são tão semelhantes às da China é muito fácil de explicar. Essas coisas vieram da China.
O Japão obteve a sua escrita, as suas artes e sua religião da China. Ou antes, a China enviou-as, através da Coréia, como dádivas ao jovem Japão. Porque o Japão, comparando com a Índia e a China, é um país muito jovem.
Já a Índia tinha tido grandes homens como o príncipe Mahavira, o Jaina, e o príncipe Gautama, o Buda, modificando a sua velha religião, e ainda o Japão era um grupo de ilhas selvagens, guerreando-se do modo mais incivilizado. E quando a China era já velha a ponto de ter livos de filosofia e de etiqueta, que ensinavam as pessoas a receber e a vestir-se para ir aos templos, ainda os japoneses eram um povo simples e primitivo, vivendo do peixe que pescavam e da caça que abatiam.
Os chineses  de então chamavam "anões" aos japoneses e descreviam-nos como gente que tatuava as faces e que lutavam com lanças, arcos e flechas.
Quando os chineses começaram a exportar as suas artes da escrita, da construção de instrumentos musicais, as suas idéias sobre a cultura de arroz e sobre a fabricação de seda a partir de casulos dos bichos, os japoneses receberam suas dádivas com satisfação e, muito interessados resgataram-nas.
Desde o início da sua história até o presente, os japoneses sempre foram bons alunos, aprendendo muito depressa tudo o que lhes interessava. Quando os japoneses receberam os conhecimentos sobre escrita, agricultura, artes e religiões vindos da China, adaptaram-nas ao seu clima e modo de viver, bem diferente dos chineses.
Mas antes que os evoluídos chineses terem trazidos as suas dádivas ao Japão, antes mesmo de os japoneses terem aprendidos a escrever ou a tocar instrumentos musicais, já eles tinham uma religião. Até onde sabemos, não há povo por mais selvagem ou incivilizado que não tenha o tivesse tido uma religião qualquer.
E assim, também os japoneses de há 2000 anos tinha um religião. A religião foi chamada mais tarde Kami-No-Michi. Mas é mais conhecida pelo seu nome chinês: Xinto.
Os chineses acreditavam em espíritos bons e espíritos maus, e que seus espíritos bons eram chamados SHEN. E os ensinamentos do velho filósofo Iao-Tsé chamavam-se TAO, ou seja, o CAMINHO.
Portanto, Xinto (SHEN-TAO), deverá significar em chinês, e significa mesmo, O Caminho Dos Espíritos Bons.

1.2 O Caminho dos Espíritos Bons.


Torii no santuário de Itsukushima

Para os japoneses de há 2000 anos, o mundo era uma coisa pequena. Acreditavam que eram o único povo da Terra e o seu reino  chamavam a Grande Terra da Oito Ilhas. 
Estavam convencidos de que o firmamento se encontrava tão próximo do Japão que há muito, muito tempo, uma seta atirada da Terra tinha furado o Céu e feito um buraco, de onde provinham as árvores, arbustos, ervas e todas as criaturas vivas. Todas as coisas da Terra tinham origem no firmamento, chamado  Céu.
Dado que todas as coisas da Terra vinham do Céu, segue-se que este Céu estava cheio das mesmas coisas que se vêem na Terra.
Era nisto que acreditavam os japoneses de há muito tempo. Acreditavam que a vida no Céu era semelhante à do Japão, mas muito melhor. E também, acreditavam que havia um mundo debaixo da Terra, onde havia vida e pessoas como em cima, mas onde as coisas não eram tão boas.
A entrada para o mundo subterrâneo esteve aberta em tempos, para permitir às pessoas visitarem-no. Mas um dia um tremor de terra fechou a entrada para o mundo subterrâneo com uma grande pedra.
Também há muito tempo houvera uma ponte para o Céu, e as pessoas podiam ir lá fazer uma visita. Mas esta ponte partira-se e nunca mais fora reparada.
Nesse tempo, a religião dos japoneses eram muito simples. Não tinham imagens, nem livros sagrados, nem mandamentos, nem sacerdotes. Como os primitivos chineses, que acreditavam que as estrelas, a Lua, o Sol, as montanhas, os rios, o trovão e a chuva, todos tinham um espírito que podia fazer o bem e o mal, e que se fizesse o bem tinha que ser adorado.
Portanto, os japoneses adoravam todas aquelas coisas. Se queriam que chovesse iam ao rio e oravam-lhe para que lhes dessem chuva. Se queriam que a chuva parasse e o sol brilhasse, saíam e rezam-lhe. De todas a religiões que conhecemos, não houve nenhuma tão simples como era o Xintoísmo dessa época, no Japão.
Além de adorarem a natureza, os japoneses adoravam também o seu MIKADO. Para eles, o Mikado não é um  ser humano como eles, mas sim semelhante ao Sol, à Lua ou o monte Fuji. É um ser que, como os deuses, deve ser venerado.
Razão por que os japoneses adoravam, e ainda adoram, o seu Mikado está explicado no KOJIKI e no NIHONGI (Memórias dos Velhos Mestres e Anais do Japão) que foram escritos há cerca de 1300 anos.
Depois de se formar o mundo, diz o texto destes livros sagrados, havia muitos deuses e espíritos. E na Sétima Geração dos Deuses, viveram Izanagi e Izanani, que também eram deuses.
Um dia Izanagi e Ianani estavam sobre a ponte flutuante do Céu, falando um com outro:
- Gostaria de saber o que se passa lá embaixo - disse Izangi.
- Também eu - disse Izanani.
Então Izanagi agarrou na lança de jóias do Céu e rodou-a no ar como um cego faria com a bengala. Subitamente, a lança mergulhou num enorme oceano.
Quando Izanagi levantou a lança de jóia do Céu para irem viver na tal ilha. Aí, criaram a grande Terra das Oito Ilhas e fizeram aparecer os três nobres filhos: a deusa do Sol, e seus irmãos, o deus da Lua e o deus da Tempestade.
A Deusa do Sol, chamada Amaterasu-Omi-Kami, também constituiu uma família. E o seu neto, Jimmu Tenho, tornou-se o primeiro imperador do Japão.
Mas esta é a razão porque os japoneses adoram o seu Mikado. Até à data eles acreditam que seu Mikado descende na linha reta da Deusa do Sol. A velha religião do Japão, Xintoísmo, fez acreditar aos seus fiéis que eram um dever religioso ser leal ao seu dirigente. E por ensinar a adorar  as montanhas e os vales do Japão, o Xintoísmo fez dos seus adeptos grande amantes do seu País.
Deste modo, a velha religião do Japão juntou patriotismo e religiosidade.
Mesmo nos nossos dias, a bandeira do Japão tem um sol vermelho, para significar que este é o país do sol nascente, onde viveu em tempos a Deusa do Sol, AMATERASU.

Bandeira do Japão
Amaterasu  a Deusa do Sol



Ise Jingu - Honden em Naiku, principal dos santuários xintoístas japoneses.

1.3 O Príncipe Gautama chega ao Japão

Buda

No início da sua história, os japoneses aprenderam com os chineses a cultivar a terra e plantar arroz, a cuidar do bicho-da-seda, a escrever, a pintar e a fazer muitas outras coisas. Simultaneamente com esta aprendizagem de fazer coisas, os japoneses aprenderam a pensar e a crer, como os chineses.

As pregações de Confúcio, o Grande Sábio da China, vieram até eles e ensinaram-lhe o Culto dos Antepassados.

A China não mandou para o Japão apenas os ensinamentos do seu próprio Confúcio, mas também quando o budismo, a religião que lhes veio da Índia, se enraizou na China, daqui  partiram missionários para Leste, através da Coréia, e para o Japão.
O rei da Coréia há 1300 anos era budista que mandou para o Mikado do Japão uma imagem do Buda feito de ouro. Alguns dos livros sagrados do budismo vieram nessa altura.
O Mikado, para mostrar a sua reverência por estas dádivas, construiu especialmente um templo para o Buda de Ouro e para as Escrituras Sagradas.
Construindo o templo, o rei coreano mandou sacerdotes budistas ao Japão, para que explicassem a sua religião. Deste modo, o Buda chegou ao Japão como um presente de rei para rei. Mas este não era o budismo que tinha partido da Índia, a perto de mil anos.
Quando os ensinamentos do budismo partiram da Índia, eles diziam ao povo para viver com simplicidade para seguirem a Óctupla Senda, para acabarem com a idolatria.
Enquanto o budismo se deslocava para além do Himalaia e do Tibete, através da China e da Coréia, e para o Japão, os seus adeptos alteravam-no lentamente. O próprio Buda tornou-se todo venerável como um ídolo. E muitos ídolos o rodeavam.
O Buda saiu da Pátria como pedinte chegou ao Japão como príncipe. Um exército de ídolos rebrilhantes antecedeu-o e outro igual veio atrás dele. 
Quando os singelos japoneses viram a rica e colorida parada de ídolos e ouviram as maravilhosas histórias da vida de Buda admiraram-nas, e muitos deles tornaram-se budistas. Em pouco tempo o budismo tinha templos em todas as cidades do Japão e tornou-se na maior religião do país.
Chegou ameaçar o xintoísmo da sua terra natal, mas o xintoísmo ensinava o culto do Imperador e este encarregou-se de manter vivo ente o povo. Um fator importante para salvaguarda do xintoísmo no Japão foi a aliança com o confucionismo, donde proveio um conjunto de regras de vida para os nobres. Este é conhecido no Japão por BUXIDO, que quer dizer Os Caminhos dos Cavaleiros.

2. Os caminhos dos Cavaleiros.

A China tem sido quase sempre um país amante da paz, mas o Japão nos seus primeiros tempos esteve sempre em guerra. Lutaram com os coreanos, lutaram entre si, guerrearam os vizinhos e inimigos mais ao norte. Num país onde se guerreia muito, os soldados são objetos de grande admiração.
Assim, no Japão, os soldados, os guerreiros, como lhes chamavam, tornaram-se os heróis do país. E era uma honra pertencer a classe dos guerreiros. Os chefes deste guerreiros constituíram a nobreza do Japão chamados "Cavaleiros".
Os cavaleiros do Japão não eram apenas patriotas e guerreiros, eram também letrados e perfeitos cavaleiros. Eles compilaram uma espécie de manual, ensinando como devia viver e comportar-se um homem de sua classe. Segundo eles, Confúcio era um Cavaleiro Ideal.
Seguiram seus ensinamentos e, tomando-os como guia, fizeram as Regras de Conduta dos Cavaleiros, chamados BUXIDO.
As regras do Buxido são numerosas, mas as mais importantes são os Dez Mandamentos de Um Cavaleiro, que incluíam a justiça, a coragem, a benevolência, a delicadeza, a honra, a lealdade, o autodomínio, a sensatez e o amor pelo estudo. Passados tempos, as Regras do Buxido começaram a ser explicadas de um modo que não era aquele que se pretendia que fosse.
O Buxido ensinava que um nobre devia cultivar a honra, mas os nobres mais recentes explicaram que isso quer dizer que um  nobre devia matar-se quando um seu superior morresse. Para defender a sua honra, cada nobre transportava consigo uma espada sempre que saía de casa.
Com o andar dos tempos um cavaleiro não saía de casa sem levar pelo menos duas espadas pendentes de cada lado. Começaram encarar a espada como sagrada e a venerá-la.
Em 1868, por razões políticas, toda a classe dos sequazes do buxido foi extinta pelo governo japonês. E passados cinco anos eles foram proibidos de usar  as espadas que distinguiam-os e que eram o seu especial emblema de honra. Mas a influência dos Dez Mandamentos do Cavaleiro, contidos no Buxido, é ainda sentida na vida do Japão dos nossos dias.

2.1 Culto: Consiste em recitar preces ou fórmulas, que datam da mais alta antiguidade, em apresentar aos deuses oferendas, legumes, arroz, frutos, peixes, como também tecidos e fitas de papel colorido.

Comporta também danças, realizadas por jovens.

2.2 Moral: Os comendadores do xintoísmo afirmaram que a sua religião não comporta nem código moral, nem decálogo, porque os japoneses são uma raça divina que precisa seguir, apenas a sua natureza. Entretanto, é possível fazer e o que é vetado. Assim, os filhos devem obedecer os pais e a mulher ao marido. Se não é possível procriar, é preciso adotar um herdeiro masculino que continuará a prestar homenagens aos antepassados. Para com a Pátria é preciso patriotismo e lealdade, até o sacrifício da vida.

2.3 Diferença com o Budismo: O Xintoísmo admite uma infinidade de deuses e o Budismo não. Os espíritos dos mortos sobrevivem sem recompensa, nem punição. Não há reencarnação, para o Budismo a reencarnação existe.
Os templos budistas estão cheios de estátuas, sobrecarregados de ornamentos suntuosos, e o incenso é queimado em turíbulos de bronze.
Arte e Literatura tiveram o seu prestígio associado ao Budismo. Os templos Xintoístas são sem estátuas e uma liturgia de poucas oferendas, poucas fórmulas, e o rito de purificação pela água.
Com o xintoísmo os japoneses aprenderam a amar a natureza, pois este ensinava a adorar as montanhas e os vales. Com o confucionismo os japoneses adquiriram o gosto de aprender, e com o Budismo, aprenderam amar o belo.

3. No Japão de Hoje.

Quando a primeira imagem dourada de Buda chegou ao Japão, havia muito pouca gente nesta terra. Em todas as 4200 ilhas havia menos gente do que há hoje em Nova Iorque. Mas os números aumentaram mais e mais, e hoje há cerca de 126.000.000 sob a bandeira do Sol Nascente.
Quando os japoneses se fizeram uma grande e poderosa nação do Oriente, os ocidentais interrogaram-se sobre aquele povo. Como são os japoneses? Como se vestem? Quais os seus hábitos? Como pensam? Mas poucos ocidentais sabiam qualquer coisa acerca dos japoneses. Muitos foram até às Ilhas do Japão para achar as respostas com a sua própria observação. Alguns desses viajantes escreveram acerca do que viram e ouviram na Terra do Sol Nascente.
Na maioria dos escritos, estes viajantes relatam que as três coisas que primeiro verificaram nos japoneses foram:
O amor dos japoneses pela natureza.
O amor dos japoneses à arte.
O amor dos japoneses ao estudo.
Não há povo no mundo, notaram eles, que seja amante da natureza como o do Japão. Os japoneses amam as montanhas, os rios, as florestas e acima de tudo as flores. As crianças no Japão, de muito pequenas, são ensinadas a dispor flores em jarras. Há feriados e festivais para comemorar a floração de certas árvores. E plantam cerejeiras, ameixeiras e macieiras, não tanto pelo fruto como pelas flores.
Todos os que têm posses para isso adquirem reproduções de pinturas célebres. As crianças aprendem a perceber as coisas bonitas e a amá-las. Mas ainda maior do que seu amor à natureza e às artes é o gosto de aprender dos japoneses. Eles adquiriram a sua sabedoria de outras nações, mas tudo quanto aprendem modificam para servir suas necessidades peculiares. E os japoneses estão ansiosos para aprenderem coisas novas.
A razão pela qual os japoneses são de tal modo amantes da natureza, das artes e de aprender encontra-se em poucos livros. Mas a explicação reside nas religiões. Os japoneses como os chineses podem dizer-se que seguem os "Três Ensinamentos": XINTOÍSMO, BUDISMO E CONFUCIONISMO.
Com o Xintoísmo os japoneses aprenderam a amar a natureza. Construíram os seus templos aos deuses da natureza no alto das encostas, e iam aí para celebrar vários festivais. Vestidos com suas belas roupas, grandes e alegres multidões de japoneses, serpenteavam até esses templos, na primavera e no outono. Viam as árvores quando os primeiros botões começavam desbrochar na primavera, e viam-nos no outono, com as folhas cor de cobre queimado e douradas. Viam os rios transbordando na primavera, e viam o verão quando a superfície das águas era tão suave como o adorado espelho de AMATERASU-OMI-KAMI a deusa do sol.
Desde a infância que viam essas coisas da natureza e a elas se afeiçoaram profundamente.
Com o budismo aprenderam a amar o belo, artisticamente.
Quando principiaram a adorar o príncipe Gautama, fizeram imagens para seus adeptos e seus templos, arranjaram flores para seus altares e pintaram quadros para os seus bichos. Os sinos dos templos budistas soavam docemente de manhã e ao anoitecer, e inspiravam os artistas japoneses a fazerem belas decorações para o seu príncipe Hindú. Deste modo o povo do Japão aprendeu a apreciar e amar todas as coisas belas.
Com o confucionismo os japoneses adquiriram seu gosto de aprender.
Com o sábio da China aprenderam que um homem bom sempre acrescenta novos conhecimentos aos antigos, e seguiram seus ensinamentos passo a passo. Também aprenderam com ele a admirar o alto domínio, a cultivar as boas maneiras e forjar um sentimento de honra.
Do mesmo modo que um homem que gosta de saber pode também amar as artes e a natureza, também no Japão alguns habitantes são ao mesmo tempo budista, xintoístas e confucionistas. Se bem que o xintoísmo seja a mais querida dos japoneses, por ser a sua religião e a mais antiga, o budismo tem o maior número de adeptos e o confucionismo é o que tem maior influência.
No Japão de hoje, bem como na China, encontramos a maior influência nas vidas e modos de pensar das pessoas, vinda de alguém que não ensinou nada de novo, mas compilou os ensinamentos de seus antepassados, de alguém que não ensinou sobre Deus ou o Céu, mas sim como as pessoas deviam viver na terra; de alguém cuja vida foi um grande exemplo e modelo para o Homem Bom.
SHUH-LIANG HEIGH, o Valente, estava longe de sonhar que o seu filho Ch'iu, nascido em Lu, distrito de Tsow, se tornaria o Mestre de dois grandes Impérios.

4. BUDISMO

O budismo é uma palavra Ocidental para designar o conjunto de práticas, prédicas e vivências dos ensinamentos de Siddharta Gautema, o Buda. O budismo oferece vários caminhos como uma árvore, onde o homem busca nela, no caule, na folha, na raiz, na flor, a excessiva tolerância, verdadeiro baluarte, que consiste na aceitação, assimilação e adaptação dos ensinamentos de Buda.
A diferença fundamental ente o budismo e as demais religiões é a inexistência de um Deus criador. Tudo é humano, em primeiro lugar está o homem, só os seres humanos podem atingir a iluminação, os deuses são perecíveis e mutáveis. Há em seu meio toda a prática voltada para curto-análise, onde se referem ao budismo como a psicanálise dos tempos antigos. A democracia tem suas origens exatamente nas assembléias que os monges realizavam na época de Buda, que decidiam em assembléia o caminho a ser seguido. Buda era um príncipe, e logo percebeu a miséria que vivia o seu povo e a opulência dos monarcas.



Dharmachakra representando o Nobre Caminho Óctuplo.

Para alguns autores o nascimento de Buda ocorreu em 523 a.C., outros dizem entre 526 e até 536, mas o certo é que nasceu no sexto século antes da era cristão. O símbolo do budismo é uma roda com oito raios ou quatro diâmetros, daí a alusão à roda da lei, a roda do Dharma. Os quatro diâmetros são as nobres verdades que culminam nos oito raios - a nobre senda Óctupla. A primeira nobre verdade é dukkiha, em páli, onde tudo é dukkha, isto é sofrimento: o nascimento, velhice, doença, morte, união com o que não quer e a separação não desejada. A segunda verdade é a origem do sofrimento que está no desejo, de viver, ter, ser, haver e o de não morrer. A terceira nobre verdade é a extinção do sofrimento, que nem através do entendimento do que é sofrer, de como ele surge e como erradia. É através da quarta que leva a correção de Dukka, o caminho que leva ao entendimento das coisas a nobre senda óctupla, Além do pragmatismo e da ênfase psicológica, o pensamento budista é dialético, pois a pessoa pensa corretamente e profundamente em qualquer coisa, chega a contradição.
Acopladas às quatro nobres verdades estão os 5 agregados. O primeiro é o da matéria, o segundo são as sensações e o terceiro as percepções, o quarto as formações mentais e o quinto a consciência. O que mais chama atenção no budismo é a crença da inexistência da alma, a ideia de um eu, é uma crença falsa e imaginária que carece de uma realidade correspondente, de um fundamento, o que causa profundos danos a toda humanidade a partir da existência de um meu, em eu, um teu e assim por diante. Existe muitos "eus", onde se sobressai o que tem mais força. Quando não há uma coisa a se apegar duradoura, uma entidade, espírito, uma essência, onde possamos nos abrigar, não há logicamente e concomitantemente um "Deus" criador. Não havendo uma alma para ser salva não precisa-se de uma "super-alma" para ser cultuada,
Cerca de 40% dos japoneses, praticam o Xintoísmo, contra 38% de budistas numa população de 12 milhões de hab, conforme estimativa de  1991.






Tradicional thangka do budismo tibetano alusivo à "Roda da Vida", com seus seis reinos.

5. O BUDISMO ZEN

Entre os budistas há muitas seitas. Os budistas da Tailândia e do Ceilão são muito diferentes dos seus irmãos na fé do Japão e da Mongólia. Os do Sul guiam-se por HINAYANA, enquanto os do Norte se guiam por MAHAYANA, cujos rituais e crenças são mais complicados. E ambos têm muitas seitas que embora sem conflitos, divergem imenso na sua maneira de seguir os ensinamentos de Buda.
Uma delas, que se encontra principalmente no Japão e é fortemente influenciada por Xinto, é tão diferente e grandiosa no seu ritual e na sua prática que despertou vivamente a atenção do mundo Ocidental. É a chamada BUDISMO ZEN. Estes budistas divergem mais na maneira de praticar as suas crenças do que naquilo em que acreditam. O fulcro das suas idéias é a convicção de que ninguém pode aprender a verdade acerca do mundo a partir dos Livros Sagrados, e que a verdade reside em nós; porém, para descobrirmos precisamente de levar uma vida contemplativa, de viver com simplicidade, de não nos regozijarmos demasiado nos tempos felizes nem ficarmos demasiado abatido na adversidade. Sobre tudo, devemo-nos esforçar ao máximo para tudo fazermos com dignidade e beleza.
Os budistas Zen têm a intuição por guia; e a luz que buscam, é de natureza inefável e, portanto, mística. Por toda parte são respeitados devido a porem em pratica aquilo que acreditam profundamente, ainda que a exposição da sua crença seja vinculada por enigmas místicos.

CONCLUSÃO

A exaltação de um patriotismo religioso levou jovens japoneses a um imperialismo que desprezava os direitos dos outros povos e por conseguinte, contrário aos verdadeiros interesses da humanidade. Como contribuição à civilização temos seu reconhecimento para com os seus ancestrais, sua polidez delicada e amor da natureza que anima sua sorridente alegria.
Em 1889, o Xintoísmo foi declarado religião de Estado e foi transformado numa instituição governamental com o fim de manter entre o povo a devoção do Imperador.
Depois da Segunda Guerra Mundial, e da terrível derrota sofrida pelo Japão por parte dos americanos o imperador Hiroíto declarou falsa esta crença, e desde então, o Xintoísmos, entrou numa crise, e sem êxito é incerto.

BIBLIOGRAFIA

1. Revista "Sem Fronteiras".  As Grandes Religiões do Mundo
2. Enciclopédia Barsa - RJ/SP. vol. 4, 9 e 15
3. Rocha, Antônio Carlos - "O que é Budismo" 
    Ed. Brasiliense S.A. -  Primeiro Passos
4. Wilges e Colombo - "Cultura Religiosa"
    Porto Alegre, Escola Superior de Teologia, 2ª edição, 1981
5. Gaer, Joseph. "As Grandes Religiões"
    Universidade Moderna, Publicações Dom Quixote.

sexta-feira, 10 de outubro de 2014

LENDAS GAÚCHAS



O que é lenda? Porque o povo conta lendas?


Estas perguntas não são especiosas, ou gratuitas. Bem ao contrário: lendas são parte importante do folclore de um povo, estudá-las é fundamental para o aprofundamento da alma popular. Muitas vezes não conhecemos um grupo social em profundidade sem intimar o seu folclore.
Estudar as lendas, portanto, é fundamental.
As lendas são histórias do País contada pelo seu povo. A lenda é local e se localiza no tempo obrigatoriamente.
O povo conta lendas para fazer a sua autobiografia, para relatar as suas memória. Trata-se de uma profunda e urgente necessidade de explicar-se. As lendas são assim um depoimento que o povo faz sobre si mesmo e para si mesmo. É como se estivesse diante do espelho. Trata-se, a rigor, de uma confissão e a Igreja descobriu a importância do confessionário muito antes que a Psicanálise descobrisse o divã do analista.
Depor sobre nós mesmos é catártico e o folclore tem a vantagem sobre a mera confissão de ser sempre coletivo. Dá explicações, diz dos porquês, exorciza fantasmas. Um banco forrado de pelego numa roda de mate será sempre mais eficaz que um terapia de grupo, em matéria de resolver os escaninhos da mente popular, embora o Folclore esteja mais próximo de Jung do que de Freud.


Rodrigo da Rosa Walter - Gilse Morgental Falkembach




22 de agosto - Dia do Folclore


Por definição, folclore é o conjunto das tradições, lendas e crenças de um povo cuja expressão se dá através da cultura, linguagem, artesanato, religiosidade, alimentação e vestuário de uma determinada região ou nação. O Brasil é dono de um dos folclores mais ricos do mundo, construído pelos índios, negros e brancos.


O Dia do Folclore foi instituído em 1965, quando o presidente da República, Castello Branco, assinou o Decreto Federal n° 56.747, denominando o dia 22 de agosto como o Dia do Folclore Brasileiro. Dois anos depois, no Estado de São Paulo, em 27 de junho de 1967, o governador do estado, Abreu Sodré, assinou o decreto nº 48.310, instituindo agosto como o Mês do Folclore.


A criação das datas que comemoram o folclore tinha como objetivo resgatar os personagens da mitologia brasileira. Os resultados foram positivos e a prova disso é o Saci, que há pouco tempo ganhou seu próprio dia, comemorado em 31 de outubro.


Anselmo Vieira

quinta-feira, 2 de outubro de 2014

A MESA, O BURRO E O CACETE MÁGICOS

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Autor: Renato Sêneca Fleury.
Segundo o site www.iecc.com.br: "Renato Sêneca Fleury (1895-1980) diplomou-se em 1912. É autor de Na roça: cartilha rural para alfabetização rápida, publicada em 1935, pela Editora Melhoramentos, tendo alcançado 133 edições, até a última, de 1958."
Joanico, Juquinha e Maneco eram bons meninos, filhos de um pobre sapateiro, honrado e trabalhador.
O pai não se descuidou da educação de nenhum deles: estiveram na escola, aprenderam a ler, escrever e contar, a ser justos e serviçais. Por sua vez, o pai ensinou-lhes o que pode e conseguiu, mandando-os a oficinas da vila onde moravam, que aprendesse cada qual um ofício.
Joanico era carpinteiro; Juquinha era ferrador e Maneco aprendeu o ofício de seleiro.
Como eram bons filhos, não queriam ser pesados aos pais, já velhos e cansados de tanto trabalhar.
Pensaram, por isso, em pedir um dia a benção a seus pais e correr o mundo, para ganharem a vida.
Queriam fazer economias e voltar para casa com o dinheiro necessário para o sustento dos pais.
O primeiro a tentar fortuna foi o mais velho, o Joanico.
Despediu-se da mãe, que estava chorando, e do pai que lhe deu coragem.
Na curva do caminho, olhou para trás e lá viu, à porta da casa, os pais e os dois irmãos, sacudindo as mãos, a lhe dizerem adeus.
Respondeu agitando no ar o chapéu, e seguiu com coragem.
Foi pedindo emprego por toda parte. Ninguém precisava de  carpinteiro.
Estava já meio desanimado, mas não queria voltar. Saíra para ganhar a vida no seu ofício de carpinteiro, e era preciso que assim fosse.
Seguiu por uma estrada que passava pelo meio de uma extensa floresta.
Lá muito adiante encontrou-se com uma velhinha e resolveu perguntar-lhe se não sabia de alguém que precisasse dos serviços de um carpinteiro.
- Carpinteiro? repetiu a mulher, alegremente. E acrescentou; - Pois eu ia até à vila próxima, justamente à procura de um carpinteiro. Estou precisando de uma casa de madeira e até agora não achei um para fazê-la. Foi Deus que nos permitiu esse feliz encontro.
Joanico seguiu a velhinha até o lugar onde ela morava lá ficou durante alguns meses, pois era só ele, a trabalhar, e tinha de fazer tudo, até mesmo cortar madeira no mato.
Quando a casinha ficou pronta, a velha, muito satisfeita, disse ao carpinteiro.
- Gostei de ti e teu trabalho muito me satisfez. Vou, por isso, recompensar-te generosamente.
Ficou o rapaz muito alegre, esperando algumas belas moedas de ouro.
Em vez disso,  porém, a velha lhe deu de presente uma pequena mesa, antiga e feia, que não valia 20 centavos.
Muito desapontado com aquela paga, Joanico baixou a cabeça, sem coragem de exigir da velha um pagamento maior.
A velhinha ria-se e o rapaz começou a achar que aquilo era desaforo. Construir uma casa em troco daquela mesinha? Que logro!
- Logro? Não senhor! Dizeis isto porque não sabes que esta mesa vale uma fortuna.
E para demostrar o que afirmava, a velha deu três pancadas numa das pernas do móvel e este logo se encheu misteriosamente de assados, bolinhos, frutas e doces.
Maravilhado com aquilo, Joanico fartou-se das melhores iguarias e muito agradeceu à boa velha tamanha generosidade.
Quando quisesse almoçar, jantar ou cear era só bater as três pancadas...
Que fortuna!
Poderia voltar para junto dos seus. Por pouco que ganhasse lá na sua vila natal, de que já sentia fundas saudades, estaria bem, pois tinha o meio de obter fartas e esplendidas refeições diárias para toda a família.
Carregando a mesinha, pôs-se de regresso e, durante a viagem, almoçou, jantou e ceou à vontade.
Um noite pousou numa hospedaria, mas é claro que só pediu cama. Onde encontraria melhores manjares do que aqueles que a mesinha mágica lhes fornecia?
O dono da hospedaria estranhou duas coisas: que o menino tivesse feito questão de levar a mesinha para o dormitório, quando poderia ter sido guardada a um canto da sala de refeições; e que não tivesse pedido de comer, justamente ao chegar de viagem, a pé, carregando o móvel à cabeça, cansado e já tarde... Como poderia estar sem fome?
Homem curioso, mal o rapaz se fechou no quarto que lhe tinha sido indicado, já começava a espiar pelo buraco da fechadura.
E viu perfeitamente aquela coisa esquisita: o menino bater três pancadas numa perna da mesinha e esta imediatamente cobrir-se de finos manjares, frutas, doces, vinhos, refrescos...
Admirado, tratou de ficar com a mesinha mágica. Para ele, seria uma coisa de valor inestimável, pois teria as refeições para os hóspedes, das mais fartas e sem gastar 20 centavos!
Aproveitou-se do momento em que o rapaz saiu para dar uma volta, e trocou a mesinha por uma outra muito parecida.
Joanico não deu pela troca e, na manhã seguinte, continuou o seu caminho, carregando a mesa.
Quando chegou à sua casa, todos ficaram satisfeitos de revê-lo; e, sabendo que a mesinha era encantada, mais alegres se mostraram.
O despontamento de Joanico, porém, foi enorme, e sua tristeza sem limites, quando, ao querer mostrar o valor do pequeno e modesto móvel, nada conseguiu.
Só então notou certas diferenças na mesa e viu que tinha sido roubado pelo dono da hospedaria.
Como, porém, poderia provar o fato e exigir de volta o precioso móvel?
Por sua vez, o dono da hospedaria se viu num grande desapontamento, porque, em seu poder, à custa de um procedimento criminoso, a mesinha perdeu as qualidades extraordinárias.

Juquinha resolveu, então, sair pelo mundo, a tentar a sorte. Talvez fosse mais feliz do que o irmão.
Despediu-se dos pais, dos irmãos e lá se foi pelo mesmo caminho, oferecendo seus préstimos de ferrador a quantos encontrava a cuidar ou trabalhar com cavalgaduras.
Ninguém precisava dos serviços de um ferrador.
Sem desanimar, tomou pela estrada que cortavam a floresta e encontrou lá adiante a mesma velha.
De nada suspeitando, perguntou-lhe se não sabia de alguém que precisasse dos seus serviços.
- Ferrador? Então tu és um  ferrador? Ora, sim senhor! Pois eu ia justamente à vila, à procura de um, para ferrar o meu burrinho, que já quase não pode andar por causa dos cascos estragados de tanto gastá-los nas pedras dos caminhos.
Juquinha seguiu a velha até o lugar onde ela morava, e lá ferrou as quatro patas do burrinho e de outros animais que a velha lhe trouxe dos pastos em redor.  Cavalos, jumentos, burros, em grande número, foram ferrados pelo hábil menino. O serviço durou vários dias.
Quando chegou a ocasião de receber o pagamento de seu trabalho, Juquinha, em vez de moedas, que esperava, teve de aceitar um burrinho magro e feio, que a velha lhe trouxe, não se sabe de onde.
O caso é que o rapaz nunca o tinha visto no meio de outros animais.
Juquinha achou que aquilo não estava direito, mas não adiantava nada protestar. Seria melhor receber o burrinho, de cara alegre. Talvez pudesse vendê-lo por qualquer coisa ao dono de alguma estrebaria.
Foi então que a velha, notando o desgosto do rapaz, lhe disse:
- Pensas que este burrinho nada vale, não é assim? Pois estás muito enganado. E, abrindo a boca do animal, fez cair ao chão algumas moedas de prata.
Era um burrinho mágico.
Juquinha, espantado e ao mesmo tempo alegre, agradeceu muito, enquanto a velha explicava que aquele fato, jamais visto, poderia ser repetido, a intervalos de uma hora, até dez vezes por dia. De casa vez, dez moedas; cem moedas de prata por dia! Mas o menino deveria tratar muito bem do animal, que, entretanto, sempre se conservaria magro e feio. Se o maltratasse, ele perderia tão inestimável qualidade.
Juquinha estava de posse de uma verdadeira fábrica de dinheiro!
- Agora, sim, dizia ele, poderei tomar conta dos meus velhos pais, dando-lhes todo o conforto; ajudarei meus irmãos a se estabelecerem com bem montadas oficinas; e poderei socorrer os necessitados.
Lá se foi o Juquinha de volta para sua vila natal.
Ao passar pela hospedaria onde o Joanico pousara por uma noite, mas sem saber que era a mesma, ajuntou com o seu dono, pouso num bom quarto e lugar reservado na estrebaria para o burrinho, ordenando que dessem ao animal o melhor passadio.
- Um pobretão desse, com tantos luxos! pensou o homem. Aqui deve haver coisas...
Tratou de espreitar e viu o rapaz tirar moedas de prata da boca do burrinho.
Ora, havia justamente ali um burrinho muito parecido com aquele. Fácil foi ao homem fazer a troca.
Quando, no dia seguinte, Juquinha deixou a hospedaria, não deu pela substituição.
Recebido na casa paterna com grande alegria dos pais e irmãos, contou-lhe como aquele burrinho, que todos acharam tão magro e feio, era uma preciosidade.
Qual não foi, porém, a sua tristeza quando este lhe aplicou um par de coices?
Só então deu pelo caso, mas não havia remédio.
Entretanto, de seu lado, o dono da hospedaria também teve uma grande decepção: o burrinho não lhe deu sequer uma moedinha de 20 centavos!
Obtido graças a uma ação má, perdera sua extraordinária qualidade.

DICAS DE COMO VENDER MÁQUINA DE COSTURA ANTIGA

Escrito por Ehow Contributor Traduzido por Fernanda Lemi·          


 Texto extraído do site Ehow Brasil       



Venda sua máquina de costura antiga em brechós ou online
antique sewing machine image by Inger Anne Hulbækdal from Fotolia.com
Se você é sortudo o bastante para ter uma máquina de costura antiga, deve saber que tem uma mercadoria rara em mãos. Se quer vendê-la, provavelmente quer receber um preço alto pelo seu tesouro, e há várias maneiras de garantir isso.

Instruções
  1
Faça a lição de casa. Antes de tentar vender sua máquina, pesquise. Descubra o nome da marca, quando foi produzida e por quanto esse tipo de máquina está sendo vendido em brechós e na internet. Isso lhe dará certo poder de barganha quando chegar o momento de fechar o negócio
 2
Limpe e deixe-a apresentável. Se a máquina de costura esteve guardada no sótão da sua avó por vinte anos, talvez precise de atenção para deixá-la em ordem. Encontre alguém que seja especialista em manutenção de máquinas antigas e peça ajuda para saber se a sua está em boas condições de uso.
3
Tente contato com o brechó local. A maioria dos brechós adoraria ter em mãos uma máquina de costura antiga. Empacote-a com cuidado e leve-a para que eles possam analisar. Se não estiver de acordo com o preço oferecido, considere levá-la a uma loja de objetos antigos por consignação, onde se pode determinar seu preço de venda.
4
Tire fotografias de todos os ângulos e tente vendê-la em um site de leilões, como o Mercado Livre. Determine o lance mínimo um pouco mais alto para ter certeza de que terá o preço com o qual você está confortável.


quarta-feira, 1 de outubro de 2014

O MENINO DO BOSQUE

BIBLIOTECA INFANTIL Nº 78
AUTOR RENATO SÊNECA FLEURY
4ª EDIÇÃO
EDIÇÕES MELHORAMENTO


Há muito e muitos anos, tantos que deles já se perdeu a conta, morava numa choupana, no fundo de enorme floresta, um pobre lenhador.
Era viúvo e tinha seis filhos.
Estes quase que haviam sido criados sem mãe, pois quando ficaram órfãos, eram pequenos. O último tinha pouco mais de um ano, e o mais velho, doze.
O lenhador chamava-se Antônio. Era bom homem, trabalhador, sério, dedicado para os filhos.
Embora já idoso, tinha forças para trabalhar de machado em punho muitas horas, todos os dias.
Derrubava as árvores já velhas e secas, picava a lenha, amarrava os feixes e ia vendê-los na cidade, transportando-os no lombo de uns burrinhos, que possuía.
Tratava-se muito bem deles, dando-lhes água limpa e fresca, bom milho e farelo, alfafa e capim. Não batia neles com o chicote, mas, quando iam devagar pela estrada, dava-lhes palmadinhas nas ancas e, com palavras de animação - upa! vamos! conseguia que se pusessem a passo mais ligeiro.
O chicotinho era só para  satisfazer a um antigo costume: fazê-lo estalar bem alto quando algum dos burrinhos, fazendo-se teimoso, demorava-se a comer as ervas da beira do caminho.
- Comilão! gritava o Antônio, a rir, nessas ocasiões. Quem te vir comendo esse matinho, há de pensar que lá em casa não tens milho, nem alfafa...
Os filhos do lenhador ajudavam-no a trabalhar. Os mais velhos, principalmente, já moços e fortes, também deitavam abaixo as velhas árvores secas, picavam a lenha e faziam os feixes.
O serviço era perigoso. Qualquer descuido, ao derrubar uma árvore, podia ser a morte do lenhador.
Tanto o pote vai à fonte que lá um dia se quebra, diz o provérbio popular.
Antônio, certa vez, foi apanhado por uma árvore e sofreu graves ferimentos, que o impediram de trabalhar e lhe causaram grave doença.
Convencido de que morreria, o pobre homem começou a ter remorsos de algumas ações más, que tinha praticado. Lembrava-se tristemente de sua mãe e do mal que fizera, fugindo de casa para nunca mais voltar! Coitada! Deveria ter sofrido muito. Nunca teve notícias dela. Talvez estivesse morta...
O arrependimento muda uma pessoa, transforma defeitos em virtudes.
Foi o que sucedeu. Antônio, que nunca pensara em educar os filhos, agora começou a esforçar-se por lhes dar conselhos e exemplos, procurando também lembrar-lhes os deveres para com Deus.
Os cinco filhos mais velhos não lhes davam ouvidos. Já estavam moços, criados, julgavam-se homens e entendiam proceder como quisessem.
O pai desanimou, reconhecendo que já era tarde para fazer que eles mudassem de idéia.
O mais moço, ainda menino, esse sim: ouvia o pai e ia se tornando um belo caráter.
Chamava-se Conrado.
Estava sempre ao lado do pai, dando-lhe remédios, alimentos e consolando-o.
Os outros mal perguntavam se o pai estava melhor. Era-lhes indiferente o sofrimento do velho.
Conrado tinha um bonito cão, forte e valente, chamado Piloto.
O fiel animal estava deitado a seus pés, enquanto o menino ouvia os conselhos do pai. Este contava muitas coisas de sua vida passada, para que o filho compreendesse como devia proceder para não cair em falta ou erro.
Uma tarde o pai disse ao Conrado:
- Menino! Fui imprevidente por ter descuidado da educação de teus irmãos. Hoje eles não querem ouvir-me e tratam-me com desprezo. A verdade, porém é que mereço esse tratamento. Sou o único culpado.
- Não diga isso, meu pai. Eu acho que a culpa é deles mesmo. Sempre é tempo de a gente se corrigir!
Respondeu o pai:
- Não faças a outros o que não queres que te façam. Meus filhos estão me fazendo o que eu fiz a minha mãe... Quanto me arrependo de não ter sido bom filho!
E contou:
- Minha mãe, pobre viúva, que precisava de mim, morava nesta grande floresta, a uma distancia de dez dias a contar daqui onde vivemos. Um dia fugi de casa para nunca mais voltar. Não tornei a vê-la e com certeza não a verei jamais!...
- Ela ainda está viva? perguntou Conrado.
- Deus o sabe! Penso que tenha morrido. Se viver, está bem velhinha. Viva ou morta, sei que não poderei revê-la, pois me sinto à beira da morte. Desejaria, entanto, que ela, se for viva, soubesse do meu grande arrependimento por ter procedido tão mal, abandonando-a quando mais precisava de mim.
Pouco tempo depois, agravando-se a moléstia do lenhador, ele fechou os olhos para sempre.
Os Cinco irmãos de Conrado não gostavam dele, por ter outros sentimentos e um modo de pensar e proceder muito diferente.
O menino, por exemplo, achava que os irmãos não deviam meter-se a caçar em propriedades particulares e muito menos nas terras do rei.
A floresta era imensa, Por que invadir alheias terras, contrariando a lei? E se fossem agarrados pelos guardas e presos?
Os cinco rapazes remordiam-se quando ouviam as censuras do pequeno. Chamavam-lhe medroso, tolo, e mau irmão, porque em vez de apoiá-los, reprovava o que faziam.
Morto o velho pai, trataram de desfazer-se de Conrado, cuja companhia lhes era incomoda...Receavam mesmo que o menino os denunciasse.
- Que faremos? perguntou o mais velho.
- O melhor será levá-lo a um lugar bem distante e abandoná-lo à própria sorte. Deus, com certeza, há de protegê-lo, pois o pequeno tem muita fé...
- Uma coisa, porém, precisamos fazer, disse outro. Será necessário prender o Piloto. Do contrário, o cão saberá guiar o Conrado de volta à casa.
Confabularam calmamente, sem avaliar a maldade que planejavam. Pouco se lhes dava o que pudesse acontecer ao pequeno Conrado.
Lobos, serpentes, tempestade, desastres, o medo que a floresta dá, principalmente à noite, até mesmo a um homem, que importam? Ele que se aguentasse! Quem o mandou não combinar de gênio com os irmãos?
Tudo resolvido - isto foi à noite, enquanto o pequeno dormia - levantaram-se de madrugada, prepararam alguma comida, acordaram o irmão e obrigaram-no a montar num burrinho. Seguiram todos.
- Para onde vamos? perguntava Conrado, sem de nada suspeitar, supondo apenas que iam à caça em lugar distante, na floresta.
Nada lhe diziam sobre isso, e apenas lhe ordenavam que ficasse quieto.
- E o Piloto? Por que não o trouxeram? Ele poderia ser um bom companheiro!
O Piloto ficara em casa, amarrado a uma corda. Mas nada disseram a Conrado.
Lá se foram pelos estreitos caminhos, que seguiam pelo meio da mata. Atravessaram valados, cruzaram regatos, subiam ladeiras, beiravam precipícios, tudo por lugares ermos, sem que se avistasse uma cabana. Ninguém habitava aquelas solidões, aquelas selvas sombrias e úmidas, que pareciam não ter fim.
Conrado sentia-se pequenino diante daquela grandeza: altas montanhas, árvores gigantescas, abismos profundos, rochedos imensos, a vastidão da floresta.
Paravam só para dormir, envoltos nas suas capas de pele e acolhidos nalguma gruta ou caverna, ou então para comer alguma coisa, à beira de um regato, em cujas águas frias e claras lavavam o rosto e as mãos, depois de terem matado a sede.
Viajaram assim uma semana e Conrado não conseguiu que os irmãos lhe dissessem para onde iam e o que pretendiam.
Na madrugada do oitavo dia, os cinco rapazes, com o maior cuidado para não acordar o menino, que dormia fatigado de tanto viajar, puseram-se de volta, abandonando-o perto de um rio, a cuja margem tinham pernoitado.
Deixaram-lhe apenas um pão.
Quando, já alto o sol, Conrado despertou, viu-se só. Pensou que os irmãos estivessem pelos arredores, a caçar, e resolveu esperar que voltassem.
Ora comendo um bocado do pão, ora bebendo água no rio ou apanhando algumas frutas silvestres, de que muito gostava, passou o dia todo, sem nada suspeitar.
A tarde chegou e a mata foi se enchendo de sombras tristes.
Em pouco, tudo ficou escuro. Conrado começou a ter medo e resolveu chamar pelos irmãos. Só os ecos, nas quebradas das montanhas, repetiam seus gritos angustiados.
Convenceu-se, então, de que fora abandonado.
Começou a ouvir de novo o uivo dos lobos, que todas aquelas noites, passadas na mata, tanto o horrorizaram. Agora, que estava absolutamente só, sentia verdadeiro pavor. Parecia-lhe que estava rodeado de feras esfaimadas que em pouco o reduziriam a pedaços...
Chegavam-lhe já os ruídos de folhas secas pisadas, ora aqui, ora ali, como se um dos lobos estivesse a rodeá-lo cada vez mais de perto.
Resignou à sorte. Encostou-se ao tronco de árvore e ali ficou imóvel, quase sem respirar, tremulo de medo.
Os ruídos cada vez mais perto.
De súbito sentiu duas patas lhe calcarem o peito e um forte resfolegar contra seu rosto. Procurou instintivamente defender-se, mas um estrídulo ladrar bem conhecido levou-o a dar um grito de alegria. Era o seu fiel Piloto, que o descobrira ali, e o festejava contente.
Conrado abraçou-se ao cão, como quem abraça o seu salvador. E passou a dirigir-lhe palavras amigas e de agradecimento, perguntando-lhe como tinha conseguido chegar até ali. O cão era para o menino, naquele grande momento, uma pessoa, um semelhante, não apenas um irracional. O fiel Piloto ladrava alegremente, correspondendo ao júbilo de seu dono. Parecia entender-lhe as palavras ao mesmo tempo que lhe sentia os carinhos e afagos.
Conrado já não se achava só no meio da floresta em trevas e povoada de animais perigosos.
Que melhor companheiro poderia desejar?
Agora, sim! Abandonado pelos irmãos, isto lhe parecia já de pouca importância. Restava-lhe esperar que o dia chegasse para tratar de resolver a situação.
Ao lado de seu fiel Piloto, unido a ele como a alguém que o protegesse, dormiu confiante e passou uma noite tranquila.
Piloto, como compreendendo seu dever, vigiou sem descanso.
Nenhum lobo ousou aproximar-se. 
As feras traiçoeiras amedrontam-se e fogem quando sentem que as enfrenta, sobranceiro, um contedor leal.
O cão, sabem vocês, é um símbolo, por ser fiel e demonstrar lealdade,
Quando a luz solar, peneirada pelo rendado das ramagens, começou a brilhar no interior da selva. Conrado abriu os olhos para o novo dia e a alma para a felicidade.
Sim! Era estranho, mas verdadeiro. Ele se sentia contente por ver-se abandonado pelos irmãos. Estes o maltratavam, tinham feios costumes, foram ingratos ao pai, e, afinal, lhe haviam feito, a ele, um pobre menino, aquela crueldade, abandonando-o na mata para que fosse vítima das feras! Mas nenhum ódio lhes tinha, apesar de tudo.
Agora percebia que, longe deles, estava mil vezes mais seguro. E lhes agradecia aquele benefício...
Nós nos sentimos protegidos quando sós, do que no convívio dos maus.
Conrado, entretanto, tinha um companheiro, incapaz de traí-lo: um cão, o seu Piloto! Não estava só.
E assim pensando, abraçou-se ao fiel guarda, que o festejou sacudindo a cauda, ladrando de mansinho, saltando com vivacidade e lambendo-lhe os pés.
O menino repartiu com ele o último pedaço de pão e tratou de procurar o rumo que parecesse melhor, a fim de sair da floresta e encontrar entes humanos que o pudessem ajudar.
Notou, do outro lado do rio, um caminho mais ou menos largo, que terminava justamente na margem oposta, não havendo porém ali nenhuma ponte. O caminho se mantinha mais ou menos conservado, isto é, limpo de más ervas e não muito esburacado.
Devia ser, com certeza, frequentado por pessoas residentes talvez não muito longe. Era provável que se servissem dele para vir ao rio buscar água, pescar, caçar aves ribeirinhas...
O melhor seria tomar por aquele caminho. Como, porém? Atravessar o rio era um problema.
Daria vau? Isto é, poderia ser atravessado a pé?
Conrado tentou passar, com cuidado, e foi avançando enquanto o rio dava pé.
Em verdade não era profundo e o menino continuou devagar, embora já sentisse a força da correnteza.
Piloto seguia também, a nado.
Já no meio do rio, com água quase pelo peito, Conrado falseou o pé, escorregou numa pedra e lá se foi arrastado pela água.
Piloto, porém, segurando-o pela roupa com os dentes e nadando com vigor, levou-o para a outra margem.
Não se descrevia a alegria de Conrado e a gratidão pelo seu humilde benfeitor.
Colhendo frutos silvestres, pois já não lhe restava qualquer migalha de pão, o menino foi seguindo pelo íngreme caminho, sombrio e tortuoso que, atravessando um grande trecho da mata, levava ao alto da montanha mais próxima.
Entretanto, ao contrário do que lhe parecera, não encontrava nenhum morador, e já estava sem esperanças de pernoitar na cabana de alguém que, vivendo naquelas relvas, pudesse dar-lhe pouso. Não lhe agradava a idéia de precisar outra vez passar a noite ao desabrigo, com o seu Piloto, tanto mais quanto pressentia mudança de tempo e com certeza a chuva não poderia demorar.
Apressando o passo, pois acreditou ter ouvido, muito ao longe, quase imperceptivelmente, o canto de um galo. Conrado teve a felicidade de ver confirmado o que supunha: de fato, novamente fez-se ouvir aquele canto, agora mais claro, pois o vento soprava daquele lado.
Piloto, como que percebendo a satisfação de seu dono, mostrava-se também alegre, às vezes correndo para a frente, até bem longe, para depois, em disparada, vir ao encontro do menino, a ladrar vivamente.
Quanto mais avançava, mais Conrado, de ouvidos atentos, percebia certos sons denotadores da proximidade de alguma habitação humana.
Pancadas de martelo, ruídos como os do rodar de uma carroça, latidos de cães...
Piloto estava com as orelhas em pé, e rosnava, farejando inquieto, Tinha naturalmente sentido a proximidade de seus semelhantes e se mostrava agressivo.
Mas Conrado, bem sabia como certos ruídos e barulhos das selvas nos iludem, fazendo-nos pensar em galos, cães, moinhos, quando não passam de sons vindo de longe e produzidos, ora pelo vento nas ramagens, ora pela queda de galhos secos, ora pelo agitado tropel de um animal feroz.
Mas...não se enganava, não! Até o estridente relinchar de um cavalo, ouvira agora perfeitamente.
Aquele caminho desembocou na estrada real, larga, bem cuidada e com sinais de movimento de veículos e pedestres.
Em pouco, deu o menino com o primeiro morador: uma velhinha, à porta de sua casa de tábuas, com o seu quintalzinho, onde havia galinhas, um cão, um cavalo branco...
Dirigiu-lhe a palavra o menino:
- Pode dar-me pouso por esta noite, e recolher meu bom Piloto? Venho da floresta, onde estive perdido por muitos dias e preciso descansar...
A boa velhinha não se negou, antes, com grandes mostras de alegria, mandou entrar o menino para banhar os pés, as mãos e o rosto, comer alguma coisa, antes de deitar-se.
Conrado conhecia algumas histórias de velhas feiticeiras, bruxas e outras mulheres más, que iludiam os pequenos para maltratá-los, quando os pilhavam em suas mãos...Bem sabia que não passavam de simples histórias, bonitas, é verdade, e até engraçadas e sempre instrutivas.
Bem se lembrou delas e até lhe pareceu que ele era personagem de um desses "contos da carochinha" e a velha, uma bruxa, coisa, aliás que sabia ser pura fantasia, para divertir as crianças.
Mesmo que houvesse as tais bruxas, horrendas e perversas, aquela velhinha não seria um desses entes malignos, tão bondosa se mostrava e tão simpática.
Aceitou os oferecimentos da desconhecida: lavou-se, matou a sede, comeu pão, carne e queijo, tudo servido pelas mãos trêmulas da carinhosa mulher, enquanto Piloto se deliciava com uns restos de angu e uns bons ossos, que roeu satisfeito.
Caiu a noite. O menino sentiu-se tão bem a conversar com a boa velhinha, que até perdeu o sono.
Contou-lhe a bondosa mulher que ali vivia sozinha, desde muitos e muitos anos...Era viúva.
- E nuca teve filhos?
- Sim! Tive um, Quando tinha seus doze anos, era assim como você.  É como se o estivesse vendo...
Conrado percebeu que os olhos da velha se umedeceram de lágrimas, que ela procurou esconder.
Teria morrido o menino?
A velhinha contou:
- Não sei se é vivo ou morto... Ele fugiu de casa e nunca mais tive noticias suas. Fugiu ainda menino; já tanto tempo que, se viver, deve estar velho!
Lembrou-se Conrado de tudo quanto o pai lhe havia dito. Coincidência? Entretanto em novas indagações, tudo, afinal se esclareceu, com grande admiração e alegria para ambos.
- Você, Conrado, meu neto!
E a velha, chorando de emoção, abraçava e beijava o menino, que, satisfeito, sentindo-se imensamente venturoso, acariciava a sua vovozinha.
Não é preciso dizer que, naquele momento, raiava para Conrado, a felicidade, que tanto merecia.
Ficou o menino morando com a avó. Tomava conta das criações, fazia plantações, e ajudava no asseio e arranjo da casa.
Conrado não revelou que tinha irmãos. Para quê? Seria encher de mágoa o coração da boa velha, pois teria de contar que eram maus, com o que ela teria de sofrer, pois eram seus netos, sofrendo também por não poder tê-los a seu lado para regenerá-los.